• O meu amigo H. B., jovem compositor de talento, americano, a quem eu falava um dia, no Vermont, do (Henry Brand) rouxinol da minha terra, comentou: «Que diabo é que nos pode dizer o canto dum rouxinol?» Tal era nele (e em outros) o senso de lirismo e da natureza. Depois venham queixar-se da poluição!
• Escrever é, primariamente, uma forma de intimidade consigo próprio. Tão depressa nos danos conta de que escrevemos para os outros – ou de que somos lidos – a sinceridade é letra-morta: surgem as inibições, o senso do dever ou das conveniências, o desejo de agradar e o medo de ofender, a vontade de convencer ou inspirar…
• Ela enervava-se e não podia dormir se ouvia pingar no escuro uma torneira, o que a ele lhe dava a compensadora ilusão duma fonte gotejando na taça de mármore, memória da infância. E, no entanto, ela dormia como um anjo ao som da bateria de brocas electropneumáticas que lá fora, em frente das janelas, rompiam o pavimento de «concreto» com dois palmos de espessura! Isso lembrou-lhe a do casal de velhos trabalhadores que, aposentados, se retiraram para o sossego do campo: não tardaram em regressar à cidade. Habituados ao estrondo incessante do trânsito, das obras e demolições, já não podiam passar sem ele. O silêncio dos campos zumbia-lhes nos ouvidos, não os deixando dormir.
J. R. Miguéis
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