sexta-feira, 11 de março de 2011

PASSEIO DOMINGUEIRO

Com a proa de quem vai
De viagem Além-Fronteiras,
Saí pela porta da frente
E entrei pela das traseiras.

Assim como certos mamíferos que vivem na água têm necessidade de, de tempos a tempos, vir à superfície e respirar, assim eu, que vivo numa cidade envenenada de gases tóxicos, tenho de, de tempos a tempos, subir às montanhas de Barroso e encher os pulmões de oxigénio. Lá fui no último domingo, por sinal um dia de rosas encarnadas e pedras brancas.
Levantei-me com o sol e, chegado à Venda Nova, cambei à direita, no propósito de atacar a Serra das Alturas pelo nascente. Ia eu de olho embevecido na beleza mística da paisagem barrosã, deparo com uma tabuleta a indicar Covas do Barroso. Estremeci:

Covas do Barroso ou Covas de Barroso?
Os documentos antigos (vejam, para não ir mais longe, Notícias Históricas do Concelho e Vila das Boticas, por Luís de Figueiredo da Guerra) e os grandes mestres da língua, entre eles Frei Luís de Sousa (in Vida do Arcebispo D. Frei Bartolomeu dos Mártires) ou Camilo Castelo Branco (in Maria Moisés, das Novelas do Minho) escrevem sempre Covas de Barroso. Ora eu, em questões de toponímia, faço mais fé em Frei Luís de Sousa e em Camilo Castelo Branco do que no jagodes que, de moto próprio ou por encomenda, anda para aí a borrar tabuletas. Portanto, em defesa e louvor da recta pronúncia e da história da Nossa Terra, exijo da Junta Autónoma das Estradas, da Autarquia ou quem de direito, que emendem a calinada. Covas de Barroso e não Covas do Barroso.

A Diáfana Beleza da Igreja de Santa Maria de Covas de Barroso
A minha justa indignação acalmou ante a paz claustral da Igreja de Santa Maria de Covas de Barroso. Tudo ali é antigo, românico, evocativo de tempos remotos. O adro, amplo e bem cuidado, é uma rara maravilha de pedra, ferro e silêncio. Mas o cemitério, que lhe fica paredes-meias, destoa do conjunto. Quando é que os Barrosões voltarão à dignidade das sepulturas de granito e se deixarão da porcaria dos mármores, cromados e pechisbeques?
Rendido o meu preito à imagem da padroeira, obra-prima de algum ignorado Miguel Ângelo que por aqui passou, e ao mausoléu de Afonso Anes Barroso, escudeiro do 1.° Duque de Bragança e protector desta igreja de Santa Maria de Covas de Barroso, prossegui jornada. A meia encosta fiz uma pausa para admirar a olímpica silhueta do Castro do Lesenho.

Boticas não tem um Museu?
Se tem, deve reclamar as quatro Estátuas Galaicas ou Castrejas daqui abusivamente levadas, duas em 1782 pelo Dr. Miguel Pereira de Barros, juiz de fora de Montalegre, para Lisboa, e outras duas em 1909 pelo Dr. Luís de Figueiredo da Guerra para Viana do Castelo.
As primeiras estão no Museu Etnográfico de Belém e as segundas, segundo informação colhida algures, no de Viana. Museu por museu, o seu a seu dono, em Boticas é que elas devem estar. Aqui fica o recado. E voltei à estrada. E voltei a estremecer: Vilar…

Que fizeram ao Porro?
Querem lá ver que estes pudicos se envergonharam do Porro?
Isto é que é levar a pudicícia às últimas consequências! Ao extremo de perder a identidade. Se um me diz: «Sou de Vilar», terei de lhe inquirir: «De qual? Há por aí tantos Vilares…» Ao passo que se me disser: «Sou de Vilar de Porro» não preciso de inquirir mais nada. Está identificado. Um homem nunca se deve envergonhar das suas origens. Vá! Ponham lá o Porro na placa, não sejam parvos.

Os Cornos das Alturas
Foi de novo indignado que rumei a poente, proa à Serra das Alturas. Ao chegar ao alto, bem aos Cornos das ditas, abri as portas aos pulmões e as janelas aos olhos. Que leveza de ar, amplidão de horizontes, suavidade de paisagens! Se é certo que o Paraíso existe, deve ser parecido com isto.
Estava eu extasiado na beleza da albufeira quando meus olhos foram atraídos por um bando de asas brancas. Pus-me a contar. Perto de cem velas desfraldadas ao sol da manhã. Dei a volta pelos Pisões, para ver de mais perto. Começaram a aparecer os cartazes «CAMPEONATO REGIONAL NESQUIK».
Em Penedones torci à direita por um estradão acanhado e coleante mas de bom piso. Sítio bonito! Um BAR de amplas e airosas instalações, Vilarinho de Negrões ao fundo, espelho de água sem manchas nem rugas, pequenos barcos à vela. Um sonho!
Muita gente, mas tudo caras estranhas. Pelos vistos, a juventude barrosã não se interessa por este tipo de desporto. Mas augura-me que em breve se venha a interessar. Pela albufeira, pela natação, pela vela. Vão sendo horas de os Barrosões se convencerem de que há muito desporto nobre para além das chegas de bois. Tempo ao tempo.

Não me lixem a Terra
Regressei pela tardinha, hora em que, pelas bermas da estrada, os alegres excursionistas de domingo levantam as tendas. Bonito e saudável um dia de sol passado à sombra das árvores, merendeiro na toalha estendida na relva, convivas à volta a dar à língua e ao dente, chilreio de crianças, grandes risadas. O que não é bonito nem saudável são os montes de lixo que esses excursionistas domingueiros deixam atrás de si. Por favor recolham o lixo que fazem! Não me lixem a Terra!

Bento da Cruz, PROLEGÓMENOS – Crónicas de Barroso, p. 14 e ss.

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