Vai uma tremenda agitação em todo o Mundo, nomeadamente na Europa Ocidental. Foi o caso que um britânico oriundo da índia — Salman Rushdie publicou um livro (Versos Satânicos) em que seria ofendida a religião islâmica, atribuindo às mulheres de Maomé a condição de prostitutas. E em face disto, o tarado do Komeiny do Irão condenou à morte o escritor, que vive na Grã-Bretanha, prometendo mesmo a recompensa de quatrocentos e tal mil contos a quem o executasse. E a mesma sentença de morte estender-se-ia aos editores que publicassem o livro. Todo o Mundo ficou siderado. Como é que no nosso tempo é possível condenar-se alguém à morte por motivos religiosos? Decerto é grave ofender a sensibilidade de um crente. Mas em que tempos estamos nós para ser possível pagar isso com a vida? E sobretudo como é possível que um louco criminoso se permita mandar executar alguém fora do seu país. Como se tem a desfaçatez de alargar a países estranhos a sua acção judiciária? E é este horror que de todo o modo esses países vão acabando por admitir, com medo de represálias! Curiosa situação esta. Só no passado a fé ia a África e ao Oriente matar mouros. E são eles agora que repetem a malfeitoria da questão. Mas sobretudo o que nos desvaira de assombro é que exista ainda uma religião, disseminada pelo Mundo, que possa chamar a si um projecto de domínio temporal, que possa trespassar praticamente todos os islâmicos de uma crença religiosa em tempos de agnosticismo ao ponto de fazer disso uma arma de extermínio e muito possivelmente de expansionismo. Há islâmicos em todo o Mundo em número suficiente para abalar o poder dos países em que vivem e causar com isso uma grande perturbação. Eles são de novo os «infiéis» que ameaçam todo o Mundo, e toda a evolução do pensamento europeu vê com espanto levantar-se perante ele um poder que a própria religião unifica. Não há pois ateus no islão? Porque as manifestações islâmicas na Grã-Bretanha e Estados Unidos foram enormes em número e arruaça. Nós estávamos habituados a presenciar isso, mas por razões de ordem política. Mas agora é por razões de ordem religiosa! Somos assim forçados a repensar as nossas expedições em função da religião que menosprezávamos e a ter de as entender mais benignamente pelo tempo em que se cumpriram, em face da hostilidade universalizada do islamismo. Porque não é fundamentalmente uma questão política — é religiosa. E a 500 anos depois das nossas arremetidas. E é toda esta confusão que nos deixa siderados. É então ainda possível que uma religião unifique os povos? E então possível que ela coordene a própria política? Onde estávamos nós que tínhamos anulado o poder religioso? Que nos arrepiávamos com os crimes da Inquisição? Que os integrávamos, quando muito, na óptica de há séculos? Que a julgávamos impossível neste fim do segundo milénio? Porque é como se descobríssemos um exemplar de uma espécie já extinta há milhares de anos. Ou mais.
V. Ferreira
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