Numa entrevista dada ao Tempo leio da Fernanda Botelho que um romance novo lhe resiste porque um romance é hoje pouco viável em face do predomínio dos meios audiovisuais. Mas os meios auditivos já não são de hoje e dos visuais só agora se invoca o predomínio, não sendo eles precisamente de hoje. Invocarmos portanto o seu predomínio para desculpa de uma quebra no interesse pelo romance é sem dúvida uma desculpa ou um álibi para outra coisa. Tanto mais que o romance se vende bem como o próprio livro em geral. As livrarias não fecham como vão fechando os cinemas e as orquestras se queixam de não terem audiência. O livro dirige-se ao indivíduo e ao sossego do lar que é propício à leitura. Como resiste o prestígio de uma boa biblioteca para aqueles que porventura não leiam. A questão é pois diferente e atinge as raízes de uma falta de convicção de quem escreve romances. Não falei atrás de um motivo idêntico para os cineastas? E aí a questão audiovisual não se põe. As salas de cinema fecham porque o que resta do interesse pelos filmes basta a TV para se cumprir. Além de que, circunstancialmente, sair de noite é perigoso. (Mas sair de tarde?) O problema é outro e tem que ver com a crise da arte, agravada com a crise das ideologias que decerto lhe é paralela. A arte pensou-se ultimamente referenciada a uma ideologia política, acentuadamente de esquerda. Mas o grande referencial de toda a esquerda era o comunismo e o comunismo fechou as portas para obras. Falar de quê em arte? Há pois todo um complexo de questões que convergem para a questão da arte de hoje. E o problema do romance, que de há muito se vem anunciando em esgotamento, é o ponto mais avançado de todo o problema da crise na arte. O que perturba a Fernanda Botelho e ela não consciencializa porque lhe lavra no inconsciente, é que há em todos os escritores a sensação obscura de que o romance se não justifica. É uma sensação como a de quem se sente mal, está com má disposição, está cansado e sem interesse ou motivação para escrever um outro ainda. É o tédio inexplicável que por vezes nos toma e nos impede de nos erguermos de um canto em que a inacção nos subjuga, sem vontade nem interesse para nos movermos. Não sei eu próprio que outra coisa fazer além de escrever romances. Mas diante do que tenho em estaleiro, o que me apetece é desistir e ficar antes no meu sofá abandonado a um cansaço de tudo. O que me toma é a indistinta sensação de que o meu tempo e do que faço, passou. Será por acaso que os romancistas de hoje optam normalmente por livrinhos pequenos? Há mil razões para isso explicar. Mas atrás de todas elas está a de que um romance, para ser ainda viável, tem de ocupar pouco tempo. E não creio mesmo que a razão da morte das grandes obras não tenha que ver apenas com um gosto de síntese e de silêncio, como se entende seja a razão de vida da arte. Romances longos, só os da literatura de consumo. Os do tédio e de não-ter-que-fazer para o preencher e haver então que fazer e menos tédio. Mas um romancista responsável e que não abdica da arte, pergunta-se inexoravelmente o que pode ainda fazer. Foi o que fizeram os romancistas franceses, que arrumaram a caneta e os papéis. Alguns deles abriram caminho pelo romance e acabaram por desistir. Foi o que fez, por exemplo, um Michel Butor.
V. Ferreira
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