12 - Maio (sexta). Hoje é outra vez dia de Fátima. A rádio lembrou. E para o confirmar, interrogou vários peregrinos sobre a razão de irem ali – alguns de joelhos. E eles explicaram. Era uma razão que dava para todos e que eles foram utilizando de um a um. Um filho à morte, uma filha que adoecera de tal ou tal moléstia e assim. E a promessa para atalhar. E a graça concedida. E o pagamento do que fora estabelecido. Curiosamente estes beneficiados não pediam simplesmente a graça a conceder, mas entenderam que um favor é sempre de se pagar. Imagine-se que a Senhora recebia o pedido mas não a contrapartida de uma promessa em pagamento do que se pedia. Seria uma coisa absurda. Nas relações humanas normais não há disso. Quando se pede ao senhor da terra que livre um rapaz da tropa ou lhe arranje um lugar de contínuo na Câmara da vila, paga depois nem que seja com uns ovos e uns chouriços. Como pedir aos céus sem promessa de pagamento? O que há de estranho nisso? Favores à borla é indecente. Sobretudo com os poderes celestes. O que pode ser estranho é o pagamento normal em sacrifícios corpóreos. Mas deve ser a forma de cumprir no pagamento a sua espiritualidade. Era como antigamente se cumpriam os sacrifícios. Não comer carne, jejuar. Era a forma única de se entender o que incomodava. Incómodos do espírito não se fazia ideia do que fossem. Mas ter fome, privar-se de uma petisqueira como carne assada, sim. Era a maneira de se entenderem com a divindade, ou seja, o modo de serem espirituais, do tipo de ser deles, que eram espíritos superiores.
Entretanto ouço piano na rádio após o noticiário. E transposto à beleza e transfiguração e encantamento e infinitude, tudo se me transcende nessa música, desde o que nela vem em harmonia do que a faz ser música até aos peregrinos que imagino a arrastarem-se de joelhos esfacelados para que a Virgem os não julgue somíticos, mas sim de boas contas até ao último centavo.
A tarde evola-se no céu parado, a música alastra porto do ele. E assim me parece que o mundo inteiro se trespassa desta música que ouço e nela se converte na (interrompido).
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