New York, Mai 12, 1960
Meu caro Saramago:
Acabo de botar no Correio, com destino ao reino di-a [sic] COR, as últimas 100 folhas (e pico) do Paraíso: boa viagem e good luck, como se diz deste lado do rio. O pacote vai por via marítima, por economia – mesmo assim foram mais de 30 esc. Por avião seria uma barbaridade. Chegará lá dentro de 3 a 4 semanas, muito mais depressa do que os exemplares da Léah III, pelos quais ainda espero com esperança, e um olho perdido na barra do Hudson. – Deve ter recebido-ó-tempo – a minha epístola de 26 de Abril, cheia de circunvoluções tipográficas. Oxalá isso não tenha agravado as suas digestões já difíceis – como é próprio do trabalhador intelectual. Os exércitos marcham sur l'estomac (Napoleão) – nós vivemos sentados em cima dele. (Estou a repetir-me!) Não se inquiete demasiado!, atrás de nós virá quem pior do que nós fará... – O penúltimo episódio (Pântano) acaba com uma cena para-pornográfica (?) que me fez suar: estava uma maravilha, mas a minha mulher protestou, e foi um trabalhão para reduzir a isso. Mesmo assim, talvez não possa passar. Quero a sua, opinião desassombrada, no fim. Isto é um romance panorâmico, epocal, diferente, sem enredo nem intriga, cuja acção está no crescimento do pequeno Gabriel, que é o fulcro de tudo. Não sei se há outro parecido na nossa terra. Estou a terminar a Nota Explicativa («entrevista comigo mesmo») que talvez não junte ao livro, mas reserve para ser distribuída com as ofertas aos Proficientes Zoilos. – E que há da Peça?! Se vêem dificuldades na publicação, porque não fazem um acordo com a Divulgação, do Porto, que ma pediu? Agora começo a ter pressa porque o ano vai adiantado. Além disso, depois dos 50 anos, quanto mais curto é o Tempo, mais difícil se torna aproveitá-lo. – É possível que eu apareça por aí em meiados [sic] de Junho! Por isso não convém que me mandem a história das 1001 Noites. Os cheques deste mês ainda podem vir, mas os de Junho não sei! – Não perca o s/ tempo a escrever-me muito! bastam umas regras.
Saudades e abraços para todos – incluindo o Nataniel – do amigo grato
Miguéis
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