Por sorte, descobri um jovem plátano, pouco maior do que o guarda-sol dum clérigo, livre de galegos. Cingi-me com ele e para ali fiquei, munido da minha melhor paciência, à espera do itamissaés.
Mas quando eu julguei que ia, finalmente, saborear a merenda, anunciaram no altifalante que ia sair a procissão. Por um triz não desmaiei.
Nisto, avançam de lá três galegas velhas e invadem-me o eido. Atrás delas vieram os maridos, os irmãos, os filhos, os sobrinhos, os netos, e atiraram comigo fora da umbela do jovem plátano. E a procissão nunca mais se organizava. Pediam voluntários para pegar aos andores, Gente nova, se possível.
Seriam duas horas e meia quando estralejaram no azul do céu, por cima das searas, os primeiros foguetes. E o colorido cortejo começou a movimentar-se. À cabeça, dois cavalos republicanos de muita presença e rópia, um branco outro pigarço, ajaezados a primor, a curvetear cá e lá, de modo a abrirem uma avenida entre os curiosos.
Atrás dos cavalos e a passo de boi, as flâmulas das confrarias, duas bandas de música, uma dúzia de andores, à metade dos quais pegavam guapas muchachas, alguns penitentes de túnica e sambenito, descalços e de vela acesa em punho, a lembrarem coisas da Idade Média ou da Inquisição, o pálio com os oficiantes e, no couce, o grosso da hoste devota.
Não tive coragem de os seguir. Mas, pelo tempo que demoraram, devem ter dado a volta ao mundo.
Passava muito das três, quando o meu anfitrião apareceu.
Fomos à procura duma sombra. Encontrámo-la à entrada de Solveira, num velho e umbroso souto.
A merenda estava simplesmente divina, quero dizer, barrosã.
Regressámos à festa. Já a não achei tão insuportável. Donde se infere que uma boa merenda à sombra dum castanheiro tem sobre o organismo o efeito dumas lentes novas. Vêem-se as coisas com outros olhos.
Bento da Cruz, PROLEGÓMENOS – Crónicas de Barroso (p. 85 e s.)
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