28 - Maio (domingo). E eu disse-lhe:
– Só há uma dor parecida com essa, que é a dor de como.
E realmente. Ela esperava, e com razão, o prémio da APE. Foi para outro. E então sofreu duramente. Houve mesmo a lágrima desopilante e sobretudo a dúvida sobre a qualidade do seu livro. E o subsequente confronto com o livro premiado. E a imprevista impressão de que de facto era melhor. E a repassagem do seu e a conclusão de que não era. Eu também já por lã passei. Tento esclarecer-me sobre essa aniquilação de nós e não é fácil saber. Há a humilhação, o impossível entendimento das coisas, da nossa qualidade e dos outros, da obtusa incapacidade de entender porque é que nos não reconhecem o mérito que supomos e a conclusão de que foi estúpido o nosso esforço e assim. O Namora dizia à Titilde que quando passava uma semana sem vir nos jornais, ficava doente. Mas como suportar uma vida inteira sem o reconhecimento de que a nossa aposta era de ganhar e não se ganhou? E o que penso com o destino do meu Pour Toujours em França. Ainda ontem o Expresso trazia um longo artigo da Teresa Coelho sobre a massa enorme dos livros portugueses aí publicados. Muitos tinham tido o aplauso da crítica. Do meu, nem palavra. Concluir aos 73 anos que todo o esforço foi um falhanço é humilhante. Tive uma noite difícil.
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Não gosto da escrita pedestre, de pata sólida, que marcha com estabilidade por uma estrada plana e sem possíveis imprevistos. Gosto da escrita instável, que avança em equilíbrio difícil dobre o arame, sempre em risco de se estatelar e que no momento em que vai desequilibrar-se lá recebe um toque de um complemento, de um adjuvante imprevisível que a põe outra vez na vertical e assim vai andando num equilíbrio milagroso até que chega enfim ao seu destino do ponto final. Escrita comercial ou militar. Escrita de aventureiro fora-da-lei. O primeiro sabe para onde vai. O segundo abre caminho para onde calhou abrir e depois só lhe resta ir guinando à esquerda e à direita, ao acaso dos acertos ocasionais. Porque me lembrou isto? Sei lá. Mas não sabê-lo é uma forma de não ter pata de boi. Ou assim.
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Não, não é preciso falares. Tudo é vão e excessivo. E teríamos de falar por sobre o que se não diz porque isso é que é. Não, não precisas de falar. Basta que passes e eu te veja, basta o teu balancear aéreo, o teu mover-te frágil delicado. Só isso, o próprio movimento, o rendilhado da irrealidade com que passas devagar na minha imaginação.
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