NY, once Maio 19601
Meu caro Amigo:
Só para não ter de escrever tantas cartas, eu voltaria de bom grado para Portugal! É uma febre epistolar paralisante crónica!... Não se pode ser escritor expatriado, irra! Antigamente era um sossego – eu era uma hipótese-de-escritor, c mais nada, podia ganhar a vida em tranquilidade... Enfim, a culpa não é vossa, que tendes sido o amparo – intermitente... – da minha outra doença, a literatura. – Já deve ter – ó tempo! – recebido a minha epístola de 26, cheia de circunvoluções recreativas. Não se inquiete demasiado, não me escreva muito, não agrave a gastrite!... Temos tempo (??). Terminei a Escola, estamos a catar erros ou repetições, e por estes dias, disparo-a por ares e ventos. Quero a sua opinião (mas no fim) desassombrada; isto é um romance diferente, panorâmico, epocal – um filme cuja acção está no seu próprio decorrer, e no crescimento da criança que dele é o centro. Não tem outro enredo nem intriga, senão o dos próprios acontecimentos. Creio que é o primeiro do género, na n/ terra – e tem um vago parentesco com o que fazem certos escritores franceses de menos idade que eu. Fiz uma Nota Explicativa que aí lhe mostrarei, mas talvez não a junte ao volume: pensei numa folha solta, volante, para acompanhar as ofertas aos Proficientes Zoilos!
E agora – se os Fados me não contrariarem – que estou livre de bronquites e sinusites (até à próxima) já resolvi a minha ida em JUNHO, até meiados [sic] de –. Ainda não marquei data, mas irei em Junho, sozinho por enquanto. Então discutiremos tudo. Nem posso crer que vou viver quase sem escrever cartas! Por isso, rogo que não mande as 1001 Noites para traduzir! Os cheques deste mês podem vir, mas não os de Junho. Estou necessitado de umas semanas de repouso numa praia ou no campo, com sossego e sem papéis. – Como nada me dizem do Expresso, lá falaremos. Mas passa o Verão sem «novidade» Miguéis!... Repito – não se incomode a escrever-me muito! Bastam duas regras... Saudades e abraços colectivos do seu dedicado
Miguéis
Lembro-me muito do Nataniel!
1 Ao lado a nota: «Foi a da cópia junta – não esta!» E diz ainda: «Esta carta, escrita a 6, só vai hoje – 11 – que terminei de vez a Escola – até está empacotada! Mas não a remeto enquanto não me disserem que PLANOS têm! A vida é curta e o tempo urge – uma coisa que a gente só entende depois dos 50 anos!...»
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