18 de Maio
Assim são as coisas. Ainda há dez dias eu aqui escrevia umas linhas acerca de Jorge Amado, e acabo de saber que teve um enfarte. Fiz o que estava ao meu alcance, mandei-lhe duas palavras de ânimo: «Uma torre dessas não cai assim», disse – e espero que não caia mesmo. Morre-se sempre demasiado cedo, ainda que seja aos oitenta anos. Mas o Jorge escapará desta, tenho a certeza. Agora, com a convalescença e o obrigado repouso, não poderá fazer a viagem a Paris que tinha aprazada para o princípio de Junho (encontrar-nos-íamos em Lisboa, na passagem). Se não puder ser antes, voltaremos a estar juntos em Roma, no Prémio da União Latina.
Ornejam os Laras, os Lopes e os Cavacos do Governo de Portugal, escoicinham os assemblários social-democratas de Mafra, e uma mulher da Venezuela escreve-me esta comovedora carta: «Gracias por el pan de sus palabras. Acabo de terminar su Evangelio que apesar de ser según Jesúcristo prefiero llamarle según José. Como, con cuales palabras, una mujer lectora de toda su obra traducida puede tratar de agradecerle cada una de sus palabras? Seria como agradecer la dulce mieI a las abejas y el aceite y el vino y las estrellas. Imposible. Nos regale todavía sus palabras, nos Ilene todavía de un poco de vida; ignoro si su fatiga tendrá una recompensa, pero "... y esta luna, como un pan hecho de luz" [do Evangelho] queda para siempre.» Nada é para sempre, dizemos, mas há momentos que parecem ficar suspensos, pairando sobre o fluir inexorável do tempo. Esta carta, estes dizeres, esta recompensa.
José Saramago
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