terça-feira, 10 de maio de 2011

Cadernos de Lanzarote (Diário de 1993)

10 de Maio
Um dia perdido. Aborrecimento, indolência, ideias negras, fastio da vida. Silêncios tensos, explosões de súbita irritação, sempre contra o alvo mais fácil: Juan José. Esta estúpida espera parece não ter fim, e só me faltam cinco dias para conhecer a decisão final da RTP: sim ou não ao D. João II. Faz-me mal estar sem trabalhar. O que faço é agitar-me, pois não é verdadeiro trabalho este pegar em papéis e largá-los, estas cartas que escrevo, nem todas necessárias, estas leituras inquietas que me levam do livro de Althusser a um ensaio de Javier Sábada, Dias y sus máscaras, felizmente mais do que interessante. Gostaria de deitar-me hoje e amanhã acordar no dia 15 para poder lançar-me a um trabalho: ou esse D. João II em que já não acredito, se alguma vez acreditei, ou o Ensaio sobre a Cegueira. Mas não vale a pena iludir-me. Durante um mês não terei condições para fazer seja o que for de sério, no sentido, digo, de disciplinado, de contínuo: a partir de 21 ou 22 estaremos em Madrid, para a «Semana de Autor», onde, por alguns dias, me põem na berlinda, depois, a 28, uma passagem rápida por Badajoz, para um colóquio, e, finalmente, até 13 de Junho, as feiras do livro pátrias, em Lisboa e no Porto, pelo menos. Quem espera, desespera, diz o dito, e eu ainda tenho um mês inteiro para esperar, desesperar e dizê-lo.
Penso que não é nada de excluir que esta súbita derrapagem psicológica, real, custosa de aguentar nos modos com que se apresentou, haja sido agravada pelo forte abalo físico causado pelas proezas alpestres que descrevi: mais do que as dores musculares com que já contava, o que trago comigo é a insólita sensação de ter os dois fémures partidos à altura do meio da coxa, e, ainda por cima, como se os topos dos ossos, bamboleantes, ameaçassem desencaixar-se a todo o momento...

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