Por aquilo que me foi dado observa, o adro da capela transformou-se em campo de feira. Bem. Aquilo já não é um adro. É uma quinta, quase uma veiga. Pelas dimensões que atingiu, ou a confraria está podre de rica, ou os campos podres de baratos. Mas há ali espaço para tudo. E o que mais admira é que, havendo por detrás da capela espaçosos parques vazios, os carros fiquem todos na estrada a atravancarem o trânsito. Falta de organização. Ou, melhor dito, de civismo.
Afora isso, não falta ali nada. Barracas de diversões, de comes e bebes, de rifas, de roupas, de sapatos, de chapéus, de louças, de ourives, de electrodomésticos, de ferragens, de cassetes, o diabo a quatro. Uma chinfrineira ensurdecedora, onde qualquer um, para ser ouvido a um metro de distância, tem de berrar a plenos pulmões.
Voltei costas àquele mercado de infiéis e aproximei-me de terra de cristãos. À vista dum grosso magote de romeiros apinhados defronte do templo, deduzi que não cabiam lá dentro. Afinal, o altar estava instalado na galilé e o que eu via era todo o povinho devoto. Devoto, ou nem por isso. Os homens, por exemplo, conservavam quase todos o barrete na cabeça, o que, para assistir a uma santa missa, de mais a mais solene, me pareceu, no mínimo, pouco protocolar. Absolvo-os da irreverência em atenção ao muito sol que fazia. Já não sei como classificar aqueles (e aquelas) que permaneciam estirados à sombra das árvores e ao correr das paredes, banhas esparramadas na relva, pés sem meias fora dos sapatos, joanetes a arejar, num desleixo de perfeitos pagãos. Valha-nos a cristalina alegria das crianças que por ali cabriolavam e riam com a eterna inocência dos Evangelhos.
Fui à procura duma sombra. Mas as poucas, e jovens, árvores do recinto estavam tomadas por mantas, toalhas e corpos estendidos ao lado dos cestos dos merendeiros e dos garrafões de vinho. «Confessemos os nossos pecados», ordenava o padre através dos altifalantes. «Eu pecador me confesso» que me vou embora. E dirigi-me ao carro em alor de me pôr ao fresco. Mas tive um rebate de consciência: e quem me convidou? Regressei.
Bento da Cruz, PROLEGÓMENOS – Crónicas de Barroso (p. 84 e s.)
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