10 - Maio (quarta). Esta noite acordei eram três e meia. Acontece-me acordar a meio da noite e não estranhei. É a altura de dar algumas voltas sobre mim e retomar o sono onde o tinha deixado. Mas hoje, quando acordei, tive vontade de me assoar. Assoei-me. Mas estranhamente, depois da assoadela, o fluxo nasal continuou-me na narina esquerda – sempre este lado fatal. Então tive um rebate e acendi a luz. Era sangue. Acordei a Regina e aí começa uma operação complicada para estancar a hemorragia. Sangue, sangue. Nas mãos, nas roupas, nos lençóis. Rolha-se a narina prevaricadora com tampões embebidos em álcool, mas o sangue rompe sempre, para fora, para a boca. E enfim às 7 horas conseguimos estancar a inundação. Bom. Porquê este desvario sanguinário? Na infância, era frequente «soltar-se o sangue». Nunca soube porquê. Mas não com este destempero. Tenho trazido a cabeça a estalar há alguns meses. A Regina é de opinião de que estalou.
– Tiveste sorte em ser para fora. Imagina que era para dentro.
Não imagino. Mas faço uma ideia aproximada que, aliás, nem é muito interessante. Eu a derramar-me em sangue. Talvez em Roma tivesse o seu efeito estético. Hoje não. Bom. Esta é a opinião da Regina. A ver agora a opinião dos médicos.
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Esqueci-me ontem: esboça-se uma sugestão para beatificar (ou já canonizar?) o Dr. Oliveira Salazar. Ignoro um pouco as linhas com que se vai cosendo a Igreja. Mas suponho que o Torquemada e outros defensores da fé não tiveram pernas para subir ao altar. Em todo o caso, com uma ajuda (dos bombeiros, por exemplo) este é capaz de subir. A não ser que a sugestão fosse apenas para larachar. A ser assim, podiam ter guardado a piada para o Carnaval. Se bem que, e é verdade, o Carnaval dure o ano inteiro.
conta-corrente – nova série I (1989)
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