15 - Maio (segunda). De um partido na oposição diz-se calmamente que aspira legitimamente ao «poder». Não se diz que aspira a governar melhor do que o(s) partido(s) que governa(m). Porque não é isso que está em causa. O que está em causa é saltar para o poleiro e dar ordens à capoeira, empunharas rédeas e naturalmente o chicote e conduzir a carroça e dar ordens persuasivas ao cavalo. Curioso, não é? O pagode que se lixe, o povo que vá cavar que só lhe faz bem. Ela, a oposição, o que pretende é o «poder». Para isso é que sua de oratória e entremeadamente de insultos ao poder no activo ou entre si, em apartes e caneladas verbais, antes de se entrar em função com outros menos verbosos, quando se não entende numa confluência de intenções destinadas a malhar nos tipos incríveis e absolutamente insolentes que se dão à farófia e arrogância de estarem no poder, que obviamente não nasceu para quem está nele mas para quem se lhe opõe, quando o seu elementar dever era largarem as rédeas e passarem a contempIar os outros a ascenderem à boleia ou passarem mesmo a contemplar-se a si no lugar do cavalo. Esta coisa insólita de uns tipos terem sido votados por um povo naturalmente mal preparado e aproveitarem o voto para se instalarem no poder é de desvairar o jogo da oposição, que era quem obviamente devia estar no poleiro. Daí uma luta incansável com piadas, chufas, pedidos de inquéritos, alusões desopiladas ao feitio da cara dos governantes, aos almoços que preparam e com quem, ao que vai lá por casa, às consultas médicas e subsequentes conclusões sobre o andamento de possíveis doenças, à reputação que têm no país e na vizinhança – tudo isto e o mais só porque aqueles tipos se dão à insolente e inacreditável audácia de estarem no poder. Quantas noites de insónia se imagina na oposição, não a ver a melhor forma de corrigir ou anular uma asneira, mas o melhor processo de saltar para o poleiro. Bom. Agora seria talvez conveniente perguntarmo-nos para que é que a oposição quer cavalgar o poder. Creio que é simples. A oposição quer trocar com o governo e que este seja oposição, em primeiro lugar para ser esta agora a dar caneladas para uma variação no destino das canelas; em segundo lugar, para se ver como é que a nova oposição se comporta na vaia e no insulto, se é mais imaginativa e tem o insulto mais eficaz; em terceiro lugar para todos termos o nosso lugar na vida, uns a dar, outros a levar e rir e assistir e a distrairmo-nos um pouco do nosso tédio chatérrimo.
conta-corrente – nova série I (1989)
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