1 – Abril (sábado). Há 70 anos engarrafado, rolhado, lacrado, o comunismo foi enfim desrolhado e desengarrafado. Como desde sempre se afirmou que ele era um néctar divino, foi um espanto em todo o Mundo com aquele pivete, aquela beberagem azeda, avinagrada, pavorosamente nauseabunda. Sem figuras de rétorica, digamos quadradamente que nas primeiras eleições há dias havidas na URSS, o Partido levou uma sova tremenda. Como símbolo e sintoma digamos apenas que um tal Ieltsine, candidato opositor em Moscovo ao candidato do regime, ganhou com cerca de 90 por cento dos votos. Mas na semicampanha eleitoral disseram-se as últimas. Afinal na impoluta sociedade soviética havia basto putedo, porca corrupção, exploradores, toda a sorte de favoritismo e o mais que se dizia da decadência ocidental. Que dirão a isto os maiorais da nossa comunada? Ora. Não dizem nada. O Cunhal, regressado da URSS onde foi recebido pela porta da cozinha para lhe remenda remendarem não sei que aneurisma, lá anda pelo país a cacarejar as suas objurgatórias económicas ao Cavaco, à falta de melhor. Não era para correr o fecho «éclair»? Não era para se acocorar ao borralho e esperar aí a chamada do destino?
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Deixei de beber e quase de fumar. Mas a cabeça pouco melhorou. A grande diferença é que em vez de estar espessa, a rebentar, está oca mas na mesma sem governo.
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Ontem vieram aí da TV suíça gravar-me uma entrevista a propósito de Pour toujours. O meu francês saía às vezes das calhas. Mas lá disse. Em todo o caso, como o entrevistador insistia no problema da «palavra», esqueci-me de anotar o que suponho mais importante e registei há pouco no original das «reflexões» e é que hoje a «palavra» perdeu o seu valor sagrado e que foi com palavras que Deus criou o Mundo …
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Estará a minha cabeça definitivamente codilhada?
conta-corrente - nova série I (1989), p. 58
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