sábado, 16 de abril de 2011

José Rodrigues Miguéis / José Saramago (1960-01-18)

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N. York, 18 de Jan. de 19601

Caríssimo Saramago!

Talvez seja imaginação minha, de exilado, mas o silêncio da COR começa a alarmar-me. Balanço de fim de ano? doenças? o espectro de ruína? envolvidos na polémica Aquilino-Torga-Nobel? apreensão da Noite por ofensas à Moral Cristã? Planos grandiosos de futuro, ou surpresas que me reservam?... Será a nossa correspondência violada por algum Gabinete Negro, ansioso de achar o fio duma conspiração literária que tenta derrubar a Civilização Ocidental? Ou terá parado subitamente a venda dos meus livros, e estão assustados com as perspectivas? O meu miolo esgota-se a matutar. – Pelas alminhas, digam qualquer coisa! – A verdade é que me inquieto pessoalmente pelos meus amigos, fora de qualquer preocupação editorial! – sos... sos... sos... A 22 de Dez. mandei a peça; a 4 deste irradiei o meu 1.º alarme... E nada! (Recebi entretanto, e agradeço muito, o conto do Redol.)
Não é que eu tenha pressa de ver a coisa publicada, não tenho pressa nenhuma, estou pronto a desdizer-me – nem em Fevereiro nem Março, não lhes quero dar dores de cabeça! (Vejo no Boletim do Grémio de Dezembro, anunciando o aparecimento da Léah III.) Como se aproxima a data dos cheques, sei ao menos que vou ter notícias. E a propósito, estamos achegar ao termo das prestações, da Meia Cara (falta só I-1/2); quanto à Léah II, de que virá agora a 7.ª prestação, não tenho pressa de que liquidem o restante; podemos continuar na mesma ordem de pagamentos, e esperar até mais tarde para iniciar o pagamento da III. (Isto, embora os recursos estejam apertados para quem anda na Escola do Paraíso e não faz mais nada.) Enfim, não lhes quero dar ralações! – Estou nos últimos cap. do romance, e bastante contente. Terá umas 350 folhas de máquina, e já encontrei o «tipo» que talvez convenha; o do romance do Warren. Até já me ocorreu se não poderíamos lançar este e outros romances futuros em fascículos de assinatura (por causa das escabrosidades)! – Estive ontem à noite num party de professores da Colurnbia Univ., onde verifiquei que pelo menos um professor tem todos os meus livros! e não é por oferta: comprados no Mundo do Livro. Por enquanto não há nada de traduções, nem mesmo da Doutora de Madrid. Esperemos!
Por hoje, meu caro amigo, não o molesto mais. Desculpe o tom colectivo desta. Imagino-o cheio de trabalhos! Console-se: há mais de um mês que o meu estômago e anexos me trazem apoquentado com dores, etc.
A vida intelectual, como os exércitos, marcha em cima do estômago!
Abraços colectivos e os melhores votos do seu muito grato

Miguéis
1 Á margem: «Não seguiu».

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