sábado, 23 de abril de 2011

14 - José Rodrigues Miguéis / José Saramago

319 East 17th St
New York 3, NY

Sábado, 6 de Fev. de 1960
(S/ carta de 29-I, rec.da a l-II)

Meu caro Saramago:

Bem me queria parecer que havia um motivo pessoal neste silêncio! Assim o dizia eu recear, em carta que não cheguei a mandar-lhe, dias atrás. Estimarei saber que se recompôs velozmente da pneumonia, embora as doçuras tradicionais do nosso clima (parecidas com a «brandura dos costumes») nem sempre ajudem. Arriba! A melancolia das suas últimas cartas (les sanglots longs...) anunciava vírus na costa!
Também me sinto melhor desde que sei que o Expresso chegou. Passei um mau bocado. Estou inteiramente de acordo com o corte, que creio ter já marcado para que não se sinta o salto ou cerzidura. Natura non fecit saltus... mas! – Quanto à edição, por muito que me alegre imaginá-la tão pomposa, receio que o luxo prejudique as vendas: ou o preço é baixo, e perde a COR (e eu!), ou não ganha, o que é perder; ou é alto, e o leitor comum (empregados bancários, etc.) hesita, compra menos, e perdemos todos! Mas não podia imaginar nada mais atraente, os Bodonis negros são o meu béguin. Desejaria só pedir que o frontispício, etc. fosse na mesma família, para evitar um certo desequilíbrio da aparência gráfica. Um luxo dispensável (além do papel) é o do celofane. Desta vez o meu querido amigo Correia não tem que atender aos caprichos do autor!, que não quer arruinar a Editorial!... Fico à espera de ordens. (E de cheques...)
Chegou ontem o rolo da especial Léah, e já está tudo assinado, inclusive a folha para o Dr. L. Borges de Castro. Peço-lhe que note algumas folhas que vêm manchadas de óleo e tinta ou graxa da máquina: os impressores tratam uma tiragem especial, caríssima, com a mesma displicência com que tratariam um jornal! E quem enrolou as folhas vincou – quase dobrou – as do topo, como verá precisamente nas páginas onde eu devia assinar. O papel é do que quebra ou vinca. Bem sei que ainda não estamos apetrechados para estas andanças, e por experiência lembro que não era possível prensar essas folhas. Ou agora passar uns dias a procurar uma caixa onde possa acondicioná-las sem enrolar, ou duas pranchetas de contraplacado para fazer uma embalagem sólida que evite amarrotadelas.
A Escola está pronta (por assim dizer), mas tenho agora de a recopiar toda, 360 folhas... E como sempre, farei novas emendas. Ou irei mandando pelo registado, ou então vai por um próprio, em começos de Março, sendo possível: o meu amigo Peyroteo, da Televisão Portuguesa, que anda por aqui em viagem de estudo. Tenho uma Nota Explicativa (e outra para a peça), mas não sei se a mandarei. Por este andar suponho que a Escola não «abrirá» até à época própria – Outubro! Não tenho pressa de nada, o Tempo é o meu melhor colaborador. Entretanto, diga-me o que se lhe oferecer a respeito da peça.
Tinha escrito ao nosso amigo Canhão. Mando-lhe hoje uns recortes que mostram o que estes «selvagens» fazem em anúncios de jornal diário com a fotografia (para o Correia).
Rogo-lhe que me lembre sempre ao Nataniel, a quem não tenho podido escrever; as cartas aniquilam-se, e é sabido que «quem pouco fala muito cala» (acabo de crer que inventei agora mesmo este aforismo!). É que tenho atravessado uma zona de indisposição geral, e não gosto de falar das minhas mazelas...
Renovo desejos de completas melhoras, abraço-os com gratidão, e peço-lhe que me creia sempre
seu muito amigo
Miguéis

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