segunda-feira, 25 de abril de 2011

Vergílio Ferreira (25 de Abril de 1989)

25 - Abril (terça). Hoje é festa de aniversário. A revolução faz 15 anos e está uma mulherzinha. De modo que todos lhe fazem olho com vistas a um futuro matrimónio estável. Os tropas estão furiosos e não desistem de casar com ela. Mas há outros concorrentes e espera-se que ela faça uma escolha sensata. Tropa mete maus tratos e ela é muito delicada para aguentar um regime de caserna. Aguardemos a sua opção definitiva. Se bem que seja já quase definitivo que ela se não incline para o quartel.
Ao mesmo tempo celebram-se os 100 anos do grande Salazar. Eu fiz uma brincadeira a propósito, como anoto atrás, mas ignoro ainda se houve escândalo no remanescente salazarista. Curiosamente começa-se agora a admitir que Salazar teve razão contra os comunistas. Teve-a, decerto, mas a posteriori. Ora é no tempo dele que a coisa se tem de olhar. Um dia contaram-me em rapaz uma história para eu pôr à prova o meu intelecto. Foi o caso que um guarda de um banco certo dia avisou os donos dele que sonhara que o banco ia ser assaltado no dia seguinte. Tomaram-se as providências e quando o banco foi de facto assaltado, capturaram-se os assaltantes, mas o guarda, depois de magnificamente recompensado, foi despedido. Porquê? Porque um guarda não deve deixar-se adormecer. Hoje Salazar poderia ser recompensado da sua prevenção. Mas deveria ser à mesma condenado pela sua repressão que não tinha razão de ser porque só hoje a poderia ter. Por mero acaso. Aliás, ou por isso, toda a sua repressão iria muito além dos comunistas e apanhou na rede imensa gente anticomunista, foi injustificável, até porque em parte alguma o comunismo triunfou mesmo após a guerra e não por opção de qualquer país mas por imposição à força. Não houve comunismo senão nos países de Leste por isso mesmo. E mesmo aí desmoronou-se. A ter razão, Salazar só a tinha tido aqui durante alguns anos. Mas o salazarismo não foi só isso. Foi uma submersão do país em beatério, medo da Pide, atraso cultural e sobretudo talvez a imposição de um modo de ser campónio. Salazar foi um atrasado ruralista, atrasado ruralista, primitivo. É possível que possível que a sua intervenção travasse salutarmente os desmandos da 1.ª República, embora neles a reacção monárquica tivesse colaborado. Mas depois disso, jamais facilitou uma transição para um regime civilizado. E no domínio económico, tinha ódio à industrialização. «Se quereis ser ricos, industrializai-vos. Mas não vo-lo aconselho». Assim o disse e o fez. Do mesmo passo, com uma mentalidade antepassada, sustentou uma guerra absurda contra «os chamados ventos da História». Não promoveu uma progressiva autonomia das colónias, imobilizou-se num século de há séculos. Salazar foi grande à sua maneira. Inteligente, obstinado, disciplinado, organizador, honesto à sua maneira, impecável à sua maneira. Mas a sua maneira, sobretudo a partir dos primeiros anos, foi um erro histórico. Do mesmo modo a sua ajuda ao fascismo espanhol na guerra é altamente problemática num domínio de uma segura visão histórica. É ir depressa no julgar-se que de outro modo o comunismo se implantaria em Espanha, extravasando para aqui. A luta governamental não era a fortiori a do comunismo. Estaline, aliás, fuzilou os soviéticos que por lã andaram. Porquê? Salazar é uma figura histórica. Mas não chega para ter direito a um pedestal.
Tinha mais ideias engatilhadas, mas passaram-me e (Interrompido).
conta-corrente – nova série I (1989)

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