domingo, 17 de abril de 2011

VISITANTES ILUSTRES

À espera do Primeiro-Ministro
Correu a notícia da vinda cio Primeiro-Ministro a Montalegre. Como tivesse a tarde mais ou menos livre e não goste de jurar falso, fui ver. E como também não sou muito de esperar seja pelo que for, cheguei sobre a hora anunciada.
A Praça do Município, decerto saudosa dos velhos tempos em que se chamava Toural e nela se realizavam grandes e ruidosas feiras de gado, abarrotava de gente. Via-se ali de tudo: casacas, leia-se, de fato e gravata, e sans-culottes, leia-se, em mangas de camisa e colarinho desapertado. Bandas de música, ranchos folclóricos, zés-pereiras, bombeiros. Aparato até dizer banda.
Dum camarista que ia passando de telemóvel à orelha, ouvi dizer para a pequena corte que o acompanhava:
– Está agora a sair de Braga.
Tínhamos, portanto, na melhor das hipóteses, uma hora de espera. Sem embargo, já toda a minha gente estava de olhos postos na Corujeira, à espera do Primeiro-Ministro.
Por analogia, lembrei-me da
Espera do Senhor Bispo
Aqui há uns anos, o Senhor Bispo resolveu visitar oficialmente uma aldeia de Barroso. Os felizes contemplados, receberam a notícia com estremecimentos de alma devota e alvorotos de coração agradecido. Começaram logo a ensaiar a cerimónia de boas-vindas ao Senhor Bispo.
Mandaram vir o fogueteiro da Torre de Ervededo e a música de Rebordondo. Foram dar um jeito no estradão. Removeram o lixo das ruas, as silvas do adro e o arroz do telhado das cornijas da igreja. Ensaiaram as meninas e os meninos da catequese na maneira mais elegante de segurarem as cestinhas e de espargirem as flores sobre o solidéu do Senhor Bispo, quando este saísse do carro.
No dia e hora aprazada, todos escarolados, sem remelas nos olhos, carranhas no nariz ou lêndeas no cabelo, roupinha de ver a Deus, pároco no comando, foram-se postar ao fundo do povo, à espera do Senhor Bispo.
Mas o Senhor Bispo nunca mais aparecia.
Até que, sobretarde, surde um carro ao longe.
– Lá vem ele! Lá vem ele! – exclamaram todos.
– Atenção! – grita o padre comandante – Agora!
A música rompe com todo o potencial dos sopros e dos metais, estralejam os foguetes, chovem pétalas de flores sobre o carro que chega, envolto em poeira, e estaca.
– Viva o Senhor Bispo! Viva o Senhor Bispo! – gritam todos, una voce.
Nisto sai lá de dentro um sujeito de meia-idade, todo sorridente, e agradece:
– Bispo, não. Mas esperto, como qualquer um...
Era um vizinho que emigrara para o Brasil em garoto e regressava agora de surpresa...
Um Apontamento Digno de Charlot
Ao tempo em que esta história se passou, um carro era uma novidade capaz de provocar equívocos deste jaez.
Hoje em dia, os carros são tantos que um titular, seja ele Bispo ou Ministro, se não trouxer os batedores do costume, passa despercebido no mare magnum do trânsito das nossas ruas e estradas. Por isso só demos pelo Primeiro-Ministro quando ele saiu do automóvel.
Acudiu a camarilha a recebê-lo nos braços.
Acorreram os bombeiros a formar a guarda-de-honra.
E foi então que o imprevisto aconteceu. À voz do comandante: «Sentido! Direita, volver!»: metade volveu à direita, o resto à esquerda...
Nunca o imortal Charlot conseguiu coisa mais espontânea e engraçada...
Gostei de ver o Primeiro-Ministro!
Bento da Cruz, PROLEGÓMENOS – Crónicas de Barroso (p. 60 e ss.)

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