quinta-feira, 21 de abril de 2011

Vergílio Ferreira (21 de Abril de 1989)

21 - Abril (sexta). Aqui estamos em Fontanelas. Desde o dia 7 de Fevereiro que aqui não vínhamos. Foi a altura da minha crise de equilíbrio. O Gilo veio buscar-nos. Era dia de Carnaval. Mas aqui estamos de novo. Não trago de mim a pessoa disponível para me sentir aqui todo. A minha cabeça não assentou ainda e equilibra-se mal no limite de estoirar. Fumei há pouco um cigarro e o meu cérebro não gostou. Há sol no escritório e eu não o tenho na alma para o haver no escritório. O mundo existe mas é preciso que eu lhe subscreva a existência. E eu nem a minha sei subscrever para existir inteira. De todo o modo, é muito possível que haja sol no escritório. E isso é bastante para o pouco da minha alegria.
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Em França preparam um número da revista (?) dedicado ao Ramos Rosa. Coisa em grande, de radiação mundial. Escrevem-me a pedir colaboração. E eu nem comigo posso colaborar. Aliás, o Rosa abusa da sua condição poética e nem uma palavra entendeu valer a pena gastar com quem já gastou muitas com ele e que por acaso sou eu. Mas não é por isso que me subtraí ele e que por acaso sou eu. Mas não é por isso que me subtraí à colaboração. É porque estou subtraído a mim próprio. Telefono ao nosso poeta, conto-lhe do caso e sugiro-lhe envie um texto meu inserido num seu livro (e agora em Espaço do Invisível IV) e que intitulei «Programação Solar». Ele agradeceu e disse que sim. E adianta-me no segredo do telefone uma notícia espectacular. É que um jornal de Genève disse em murmúrio que em Estocolmo se encara a possibilidade de lhe pregarem com o Prémio Nobel. Eu convoquei a minha condição de português e exultei. E fiquei-me a imaginar o poeta metido à força num fato de «smoking», que eu não sei, aliás, se ele sabe o que é.
conta-corrente - nova série I (1989), p. 71 e s.

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