sábado, 30 de abril de 2011

Cadernos de Lanzarote (Diário – I)

30 de Abril
Pergunto-me se estarei a sonhar: a maioria social-democrata da Assembleia Municipal de Mafra votou contra uma proposta da CDU para que me fosse atribuída a medalha de ouro do Concelho, alegando que «estraguei o nome de Mafra» e que o Memorial do Convento é «um livro reprovável a todos os títulos». Um outro motivo, não menos principal, terá sido que «não convinha» distinguir um escritor comunista. Quer dizer: tolera-se (com dificuldade) que existam comunistas, consente-se (porque não é possível evitá-lo) que alguns desses comunistas sejam escritores, mas eles que não se lembrem de escrever o Memorial do Convento, mesmo que em dois séculos e meio de iluministas e árcades, de românticos e realistas não se tenha achado ninguém para o fazer. Peço, portanto, aos habitantes de Mafra, que, até às próximas eleições locais, considerem esse livro como não existente, uma vez que, por uma razão ou por outra (por não serem dignos dele, ou por ser indigna deles a decisão tomada), não o merecem. Depois, contados os votos, corrigido ou não pelas urnas o atentado que agora foi cometido, contra a inteligência, mais do que contra mim, logo verei se devo restituir a Mafra o Memorial que lhe ofereci há onze anos, ou retirar o seu nome do mapa de Portugal que ainda conservo dentro do coração.
José Saramago (1922/11/16 – 2010/06/18)

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