terça-feira, 19 de abril de 2011

VISITA AO CASTELO

No pretérito dia 14 de Junho fui inaugurar a Feira do Livro de Bragança. Ia a contar com o salão paroquial e a meia dúzia de ouvintes do costume. Aguardava-me uma surpresa: uma praça repleta de povo. Para aí um milhar de pessoas, para mais que não para menos.
Mas não estavam ali por minha causa. Estavam ali à espera dum muito badalado espectáculo sobre Amália Rodrigues.
Olhei para aquilo: uma grande mesa empoleirada num grande palco, o público a metros de distância, um barulho ensurdecedor: e apeteceu-me fugir.
Ainda perguntei ao Presidente da Câmara se não seria possível arranjar um recinto mais adequado, mais pequeno, mais íntimo.
– Assim do pé para a mão, é-me difícil, se não impossível.
– Nesse caso, vamos lá despachar isto – disse eu, avançando para o palco de pé atrás, convicto de que ia ser corrido a ovos chocos, batatas podres e apupos.
Era minha intenção ler umas Histórias da Vermelhinha ou Lana Caprina. Mas como fizesse muito vento e precisasse da mão direita para o microfone, não conseguia manter o livro aberto na esquerda. Resolvi contar umas larachas de improviso.
E não é que aquele maravilhoso público salta a rir, a bater palmas, a clamar por mais? Entusiasmei-me.
Eu estava de costas para o pórtico da Sé e via o castelo à minha frente, um pouco à direita. E foi então que me lembrei de contar uma passagem da minha adolescência.
Na década de quarenta do século passado, eu frequentava a Escola Claustral de Singeverga, onde os alunos viviam como reclusos. Nem férias, nem saídas precárias, nem nada.
Um dia aparece o meu tio Zé Marinheiro de visita. Convenci-o a pedir ao reitor, o Padre Vicente, que me deixasse vir de peregrinação ao Bom Jesus do Monte, com a promessa solene de regressar no dia seguinte.
De início, o Padre Vicente recusou. Que não queria abrir precedentes. Que a saída dos oblatos para fora do recinto do mosteiro estava proibida pelos regulamentos. Que seria um mau exemplo para os outros colegiais. Que não queria expor-me ao risco de perder a vocação. Que mais isto, que mais aquilo.
O meu tio, porém, tanto insistiu que o Padre Vicente acabou por ceder. Viesse lá cumprir a minha devoção ao Bom Jesus do Monte e regressasse imediatamente.
Esta do Bom Jesus era uma peta que me andou a pesar na consciência durante dias. Depois fui ajoelhar aos pés do confessor e vim de lá mais aliviado. O meu fito não era o Bom Jesus do Monte. O meu fito era a Santa Marta da Falperra.
Passámos grande parte da noite no arraial e o resto na Pensão do Inácio, ao Campo das Hortas.
Encontrámos lá o Zé Banto de Gralhós, um rapaz cheio de qualidades, mas com o defeito de, por vezes, beber de mais e ter mau vinho. Fora dos copos, porém, o Zé Banto era um belíssimo, leal e prestável companheiro.
Com medo de que eu me perdesse ou desertasse, o meu tio fez questão de me levar ao comboio, a Guimarães. O Zé Banto acompanhou-nos.
Chegámos à cidade berço muito adiantados em relação ao comboio Trofa-Fafe, no caso, Fafe-Trofa.
– Conheceis o paço do Duque? – perguntei eu.
– Conheço passo travado, trote e galope. Em passo de duque nunca ouvi falar – respondeu o Zé Banto.
– Vamos ver o Paço do Duque – voltei eu.
E lá fomos ver o casarão dos Braganças.
– Já agora, visitemos também o castelo – propus.
E começámos a subir a colina, em direcção à fortaleza.
Mas era a folga do pessoal e demos com o nariz na porta.
– Oh! Está fechado! – exclamei eu, bastante desiludido.
Responde o Zé Banto, a desapertar a carcela:
– Se está fechado, mija-se cá fora...1
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1 Este texto, depois de retocado, saiu no livro «Eixo Atlântico - um mundo a descobrir». Co-autoria. Texto em português, espanhol e inglês. Nova Gallícia Edicións, S.L. 2004
Bento da Cruz, PROLEGÓMENOS – Crónicas de Barroso (p. 63 e ss.)

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