terça-feira, 26 de abril de 2011

15 - José Rodrigues Miguéis / José Saramago

Lisboa, 27 de Fevereiro de 1960

Meu caro Amigo,

O vírus lá vai pela barra fora, com trinta mil pragas minhas nos calcanhares. E a saúde por essas bandas? O final da sua carta de 6 fala de uma «zona de indisposição geral» que atravessou. Atravessou mesmo? ou ainda se detém nela? Os seus achaques já nos valeram o Meia Cara, mas nós não levamos o egoísmo editorial ao ponto de lhe desejarmos uma recidiva...
Podia ter-lhe escrito há mais tempo, mas só queria fazê-lo quando pudesse juntar a carta aos papelinhos mágicos deste nosso negregado sistema capitalista. Eles aí vão, mais tarde do que deviam, mas ainda dentro do mês, o que é boa prova da nossa vontade de regularizar esta questão.
Da 3.a edição da Léah pode dizer-se que, verdadeiramente, ainda não está à venda. É que, para não deixarmos o mercado desprovido, não retirámos das livrarias o que ainda resta da consignação da 2.a edição, e que deve andar pelos mil exemplares.
Em breve lhe mandarei para traduzir, salvo se me disser que não está interessado, uma nova história das Mil e Uma Noites. Desta vez trata-se do Aladino, aquele Aladino, aquela lâmpada, aquele génio e prodígio e – era inevitável! – aquela maraviIhosa princesa que só há nas... histórias. Traduzir uma coisa destas é assim a modos que um regresso à infância pela única via possível – a recordação. Quer o bilhetinho?
O Passageiro não está esquecido: aguarda que o Correia possa pegar-lhe para assentar naquelas coisas que ao seu foro cabem. O que será breve.
Sinto que esta carta devia ser muito mais longa, para compensar todo o tempo que estive silencioso. Para outra vez será, que neste momento tenho trabalho até aos gorgomilos. De qualquer modo, o essencial fica dito.
Saudades de todos nós (quando volta? olhe que o seu lugar é aqui!) e um grande abraço do amigo dedicado
Saramago

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