sexta-feira, 15 de abril de 2011

Os Cordoeiros: Quinta-feira, Abril 15 [2004]

Quinta-feira, Abril 15

FUTEBOL E JUÍZES

O JN – pela mão da Tânia Laranjo – traz-nos hoje uma boa notícia: PJ e Fisco atacam em força no mundo do futebol. Esperemos que não fiquem apenas pelas equipas da Super Liga. Os clubes menores, onde a proximidade com as autarquias é mais estreita e a participação dos empreiteiros mais evidente, também merecem um bocadinho de atenção.
Uma notícia surpreendente é aquela que nos diz que 78 juízes ficaram por colocar por falta de dinheiro. É suposto pensar que se trata de juízes necessários à boa aplicação da justiça. E ainda há quem ache que a justiça não está em crise...
C.R.

HIERARQUIA

No discurso de abertura do ano judicial, o presidente da República, no seu habitual estilo enigmático que caracteriza, em regra, as intervenções públicas que profere, apelou para o que disse de “...um inadiável reforço da hierarquia do Ministério Público.....pela atempada intervenção e fiscalização hierárquica...”, o que traria, na óptica do presidente “maior discernimento, maior rigor e maior respeito pela lei, em todos os graus desta magistratura...”.
Limitando-se o presidente a referir a “fiscalização”, e na conjuntura social que, ao tempo, se vivia no rectângulo, terá de convir-se que não é aquela a hierarquia que deve caracterizar a do Ministério Público e mesmo a que se retira da Constituição da República e do estatuto do Ministério Público.
Encaixando a falta de discernimento, de rigor e respeito pela lei, da base ao topo que, segundo o presidente, afecta o Ministério Público, “a contrario”, não é difícil detectar, no discurso, o entendimento de que a hierarquia do Ministério Público é, ali, entendida de um modo redutor: o da fiscalização hierárquica. Ou seja: os poderes de controlo e de vigilância que competem ao superior hierárquico. Esta forma de ver as coisas desenobrece os magistrados, de grau superior e de grau inferior . É uma hierarquia de mera fiscalização, de policiamento, de quebra de autonomia dos próprios magistrados, de repressão que a Constituição não pode ter querido institucionalizar e que o estatuto do Ministério Público claramente repele.
A Procuradoria-Geral da República não é, por definição constitucional e infraconstitucional, a Direcção Nacional da PSP, nem as Distritais são os comandos metropolitanos da mesma polícia, nem as Procuradorias da República são uma espécie de esquadras das que estão distribuídas por todo o país. A hierarquia do Ministério Público não é de caserna.
Mesmo no controlo, é profundamente subversivo e antidemocrático minimizar a hierarquia de vigilância a conceitos que, de cima para baixo, se imponham sem qualquer condimento de colaboração/cooperação no exercício de funções que têm sede constitucional. Um magistrado, por mais que ocupe, no lugar mais recôndito do país, a função mais modesta, não pode/deve ser considerado como um qualquer recruta da PSP a quem se distribuem conceitos de obediência cega e acéfala, com todo o respeito que merece o recruta.
Quando era jovem magistrado, foi meu procurador um magistrado que, às sextas-feiras, pela tarde, assim me prejudicando o fim de semana, me invadia o gabinete, sem bater à porta, e dizia para o cão que sempre o acompanhava: “...Ó Silver, anda aqui cumprimentar o Dr. Delegado...”. Eu pensava, muito caladinho: “...Este f...da...” Tirava notas, saía já pela noite, sem nada me dizer. Depois, passados dias, remetia-me da sede do distrito um longo ofício em que me recriminava pelos meus erros, sem nunca me apontar os caminhos que, a seu ver, deveria seguir. Chamava a este arremedo exercer o poder hierárquico.
A hierarquia, mesmo só a de controlo, vale pela valia das mensagens, pela capacidade/competência do superior, pelo impulso dinamizador, pelo brilho da liderança. Pela clareza dos objectivos que se definem e que, em conjunto, se encontram em diálogo com os ditos inferiores hierárquicos. O resto é autoritarismo e despe de sentido a formulação hierárquica que a Constituição previu para a magistratura em causa.
Também, por outro lado, e a acrescentar, o outro ângulo da hierarquia (ordens e instruções) deve ser encarado, ao que penso e cada vez mais, como um modo são e higiénico de colaboração. As ordens/instruções não satisfazem o ego ou necessidade de afirmação de quem manda, dado que nada “manda”, exerce uma função pública que se encaminha para a realização da justiça. Tudo o mais, é vã glória e empobrece a justiça. Ordens sem fundamento ou enviezadas não podem ser dadas, nem cumpridas porque, seja quem as transmite, seja quem as recebe, estão limitados pela ideia de responsabilidade e de participação na consecução dos objectivos a atingir. Não se dá uma ordem/instrução por dar, para exibicionismo, para chegar a fins ilegítimos, ou menos transparentes. Quem transmite instruções terá de, a montante, avaliar da sua relevância, ponderar a sua justeza e legalidade, ter em conta a Constituição. Se assim se proceder, raramente, ou muito raramente, o Ministério Público se irá confrontar com o posições fundadas na violação da consciência jurídica de que fala o estatuto.
Restaria ainda tratar dos poderes de avocação e substituição, intimamente ligados à indivisibilidade do Ministério Público, mas não dá para tudo, sendo que, naturalmente, já me alonguei demasiado. Fica para a próxima. Que se fique com a trave mestra: os magistrados não vestem farda, hierarquia não se confunde com poderes de cima para baixo, confunde-se – e aí é que bate o ponto – sobremaneira, com competência, modéstia e sentido de responsabilidade.


Alberto Pinto Nogueira
# posto por Rato da Costa @ 15.4.04

Almoço

Durão Barroso convidou José Saramago para almoçarem. Hoje. Apesar dos esforços, os Cordoeiros não conseguiram ter acesso à ementa.

Risco de vida

"As condições degradantes dos Juízos Criminais de Lisboa colocam em risco a vida de magistrados e funcionários que ali trabalham. A constatação foi ontem feita pela delegada de Saúde que, a pedido dos trabalhadores, inspeccionou todo o edifício." É o que noticia o Diário de Notícias.
Se se tratasse de uma empresa privada, já teria sido levantado um auto aos respectivos responsáveis. Será que o foi aos responsáveis (quem serão?) do Ministério da Justiça?

Posse com urgência

Afinal, os 43 juízes já tomaram posse. No dia seguinte ao designado. Depois do Ministério da Justiça ter garantido que havia o devido cabimento orçamental. Mas sem pompa nem circunstância. Como se escreve no Diário de Notícias: "Os novos juízes respiraram de alívio, mas lamentaram que tenham ficado privados de um acto solene que marca o primeiro dia de uma nova etapa." Ao menos, espera-se que nesta posse modesta tenham utilizado o respectivo traje profissional.
Aos novos magistrados judiciais, os Cordoeiros desejam felicidades pessoais e profissionais.

Outra vez o dinheiro

Para quem se interessa pela questão da defesa oficiosa e do seu custo, um artigo muito interessante no L`Express.

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