Como não podia deixar de ser, passei as férias na aldeia.
Desde a minha remota infância que me não lembro dum Agosto tão quente. Quente, abafado e rico em aberrações atmosféricas. Entre elas uma tremebunda trovoada de granizo que, a ter vindo em Maio, teria sido lima calamidade. Assim, com o feno nos palheiros, pãozinho nas tulhas, pássaros saídos da casca, milhos e batatais em fase de maturação, foi apenas o susto daqueles que apanharam com o granizo, do tamanho de ovos de codorniz, na tola.
Outra aberração deste Agosto foram os incêndios. Passei alguns dias em Chaves em gozo de águas termais. Um pesadelo. Um sol em brasa sobre a cidade e todos os montes em volta a arder.
Cheguei a recear que fôssemos morrer todos de asfixia. Um horror.
Peireses é um pouco mais fresco. Mas a sensação de desconforto era a mesma.
A oeste, a serra do Ourigo ardeu vários dias seguidos. Outros incêndios se viam a norte, sul e oriente. Uma espessa coluna de fumo toldava os ares. O sol tinha o aspecto duma hóstia de sangue, duma vermelhidão doentia, dum presságio horripilante de fim de mundo.
Não restam dúvidas a ninguém de que tantos fogos ao mesmo tempo e estrategicamente ateados, só podem ler origem criminosa.
Um dia destes, aqui perto, um incendiário foi apanhado com a boca na botija e quatrocentos contos na algibeira. Presente a tribunal, saiu em liberdade caucionado por metade daquela quantia… Em que lei vivemos? Se a lei permite ou ordena, coisas destas, modifique-se. Deixar arder tudo é que não.
Bento da Cruz, PROLEGÓMENOS – Crónicas de Barroso (p. 40 e s.)
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