22 – Abril (sábado). Hoje o Expresso traz quase todo o seu suplemento «Revista» dedicado ao centenário de Salazar e à revolução do 25 de Abril. Colaborei com comentários a fotos salazarescas. Pensei primeiro levar aquilo «a sério» (não o disse já?). Mas à distância a que nos fica o salazarismo – não no tempo mas na massa enorme de factos que o preenchem – comentar aquilo a sério seria especular ainda sobre a Helena do Menelau e a sua preferência pelo fornicanço de Páris. Ou sobre se Cristo teve ou não a sua cavaquea com Afonso Henriques. Ou sobre se a expulsão de Adão e Eva foi ou não uma sacanice do Padre Eterno. De modo que peguei nas fotos que o jornal me enviou e entretive-me num jogo de comentários. Mas o Expresso contém um lapso que não confio à História para o desfazer e à cautela desfaço eu. É que eu não «escolhi» as fotos comentadas entre um conjunto que me foi enviado, mas levei-as de enfiada segundo a numeração que traziam no verso. Aliás, como me pediam o comentário de cinco ou seis, foi o que fiz. Mas largado na embalagem, levava-as a eito todas as 10. Julguei eu que as restantes quatro eram para comentários da Agustina. Não eram. A Agustina comentou foi uma série do 25 de Abril. Já li por alto. Vou ler por baixo. Pareceu-me coisa sisuda e reflexiva e de especulação empírea. Foi pena. Mas ao nível terráqueo, as coisas tinham mais piada. E o que moralmente devemos hoje ter para esta incrível palhacice, já calva de tão vetusta, é uma gargalhada bem sonora. A tempo: duas das minhas fotos trazem as legendas trocadas. Posteridade, destroca-as.
conta-corrente – nova série I (1989)
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