É sabido que os velhos morrem a pensar na infância.
– Ai! Nesse tempo é que era… – suspiram os velhos.
Eu não fujo à regra. Mas os bons velhos tempos da minha infância, só eram bons porque eu era jovem. Que, no resto, temos dito. Bons tempos os de agora. Para os jovens, claro. Que, aos velhos, esses não há sol que os aqueça. Por isso eles se refugiam ao sol da infância. Eu também por lá ando. Aos níscaros. Que eu, como toda a gente, pronunciava niscros.
Para o meu gosto, na primeira categoria, militavam os de carvalho, de grossa e robusta copa redonda, acastanhada, e pé em atarracado tronco de cone, branco. Na de honra, os de vido e de salgueiro, ao longo das sebes e das linhas de água, de copa mais larga e pé mais estreito. Na segunda, os fradelhos, de anel e umbela, amantes de terrenos secos, como poulas de feno de raposa e courelas de restolho.
Fradelhos, decerto, por analogia com os frades de guarda-sóis abertos.
Para os lados de Salto chamam-lhe chòteiros. O dicionário não regista o termo e eu, de momento, não lhe encontro a raíz. Adiante.
No meu tempo de rapaz, niscros e fradelhos eram entretenimento de pastores. Como não tínhamos mais que fazer, em vez de colheres, fazíamos candiolas de níscaros. Em competição. A ver qual a maior. Que, por vezes, nem comíamos. As mães, habituadas a uma cozinha rápida e simples: caldo e batatas com o seu nico de toucinho: não dispunham de tempo nem de paciência para requintes. E a confecção dos níscaros exige cuidados especiais.
Mais fácil, a dos fradelhos. Umas brasas, uma areia de sal, um dente de alho e um fio de azeite, e está o lambisco pronto.
Um dia destes deu-me para ir matar saudades dos niscros e dos locais onde, outrora, os colhia. Percorri quilómetros de prados, bouças e corgos e regressei de mãos vazias e a mente cheia de interrogações: se os rapazes desapareceram das aldeias e dos montes, quem apanha os níscaros? Procurei informar-me.
– Ai não sabes?
Mas fiquei a saber. Que vêm senhores da cidade, homens importantes, detentores de altos cargos e dignidades, se atiram aos montes e passam dias inteiros aos cogumelos. Falaram-me inclusivamente em estrangeiros que vêm passar férias a Barroso por mar dos cogumelos. Que os enlatam e os vendem, depois, a peso de oiro por essa Europa fora.
Pena é que não levem marca de origem: COGUMELOS DE BARROSO.
A melhor terra que a rosa do sol cobre.
Bento da Cruz, PROLEGÓMENOS – Crónicas de Barroso (p. 42 e s.)
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