quarta-feira, 13 de abril de 2011

A REVOLUÇÃO DOS CRAVOS

De quando em vez ponho-me a divagar com os meus botões: o 25 de Abril! Bem-aventurados aqueles para quem a Revolução dos Cravos chegou a tempo. Para mim, veio demasiado tarde.
Para minha desgraça, nasci com a Ditadura. Com ela fui crescendo. Com ela me foram intoxicando.
Quando me lembro...
As mentiras que a igreja e a escola me impingiram a respeito de Salazar...
A igreja apregoava que o homenzinho de Santa Comba era um enviado de Deus para salvar Portugal.
A escola, melhor dizendo, os compêndios da instrução primária, cansavam-nos as meninas dos olhos com desenhos ou gráficos venenosamente concebidos a demonstrar o poder, a ordem, a riqueza, a eficácia, a supremacia do Estado Novo sobre a balbúrdia, a miséria, a inoperância da República.
Coisas deste género:
Marinha:
Antes do Estado Novo – (Viam-se dois pequenos barcos desconjuntados, a caírem de podres, a meterem água por todas as juntas.)
Hoje – década de trinta – (Uma frota imensa, a perder de vista, britanicamente alinhada em comboios de cruzadores, torpedeiros, porta-aviões, submarinos, corvetas, prontos, ao menor sinal do Ditador, a acometer e arrasar o Grão-Turco.)
Aviação:
Antes – (Uma avionetezita manhosa, decerto réplica piorada daqueloutra em que Gago Coutinho e Sacadura Cabral fizeram a primeira ligação aérea Lisboa-Rio de Janeiro em 1922).
Agora – (Esquadrilhas e esquadrilhas de aviões civis e militares, aeronaves, caças, bombardeiros, helicópteros, uns poisados outros em pleno voo, num caso ou noutro, em número suficiente para arrumarem a Real Força Aérea Inglesa em duas palhetadas.)
O mesmo truque para os hospitais, as escolas, as fábricas, as estradas, as telecomunicações, o comércio, a indústria, a agricultura.
Que éramos a terceira potência colonial do mundo! Os melhores soldados da Europa! O povo mais culto, mais valente, mais patriota, mais católico.
Quando atingi o uso da razão, comecei a desconfiar de tanta fartura. E, à vista da pobreza franciscana em que todos vivíamos, depressa me convenci de que o homenzinho das botas, ao contrário do que a igreja apregoava, em vez de nos ter sido enviado por Deus, nos fora imposto pelo Diabo.
Consequentemente, tornei-me anti-salazarista.
Quando me lembro...
Do meu entusiasmo aquando da campanha do General Norton de Matos. Dos dias e das noites que passei a recolher fundos, a colar cartazes e a fugir à polícia pelas ruas do Porto. Da memorável Festa-Comício no Hipódromo da Fonte da Moura.
Tanta gente! Tanta alegria! Tanta esperança!
A minha frustração quando Norton de Matos desistiu de ir às urnas...
Só me recompus dez anos mais tarde, com o General-Sem-Medo.
Mas isso fica para depois. Por hoje,
VIVA O 25 DE ABRIL.

Bento da Cruz, PROLEGÓMENOS – Crónicas de Barroso (p. 53 e s.)

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