quarta-feira, 13 de abril de 2011

Os Cordoeiros: Terça-feira, Abril 13 [2004]

Terça-feira, Abril 13

CARTA ABERTA/CARTA FECHADA

Há uns tempos, o Bastonário da Ordem dos Advogados anunciou escrever uma carta aberta e outra fechada ao Procurador-Geral da República. Achei a ideia brilhante e aquilo ficou aqui a roer-me o cérebro, a apertar-me as meninges. É que, com uma carta aberta, as ideias distribuem-se democraticamente por um universo de leitores, ou destinatários, permitindo um estilo mais descontraído, menos cuidado, com menos mesuras; já na carta fechada, se impõe um conjunto de cautelas, de modo a não tocar a sensibilidade daquele a quem é dirigida. Ou seja: as ideias podem ser, e normalmente são, as mesmas, o que varia é o estilo. Acolá mais aberto e comezinho, aqui mais discreto e tratado.
Ora eu, que gosto de escrever, muitas vezes para nada dizer, já escrevi a carta fechada a que aqui me refiro, em forma de requerimento, com todas as mesuras e cautelas, como se impõe quando nos dirigimos a quem manda. Falta-me, pois, a carta aberta ainda que esta, como disse, não vá muito além daquela, da fechada. Não aprecio deixar as coisas a meio até porque isso me faz mal ao estômago e me provoca mal estar, um nozinho no ventre quando desperto.
Na tal carta fechada, em jeito de requerimento, ingenuamente, levando a sério os preceitos constitucionais do estado de direito que nos atribuem vários direitos entre os quais os de ser informados e esclarecidos sobre as decisões da administração, da reserva da vida privada e de optar pela moral que se entenda, inquiri certa instância do poder que não revelo (é muito sensível) para me informar:
“ a) Que “qualidades individuais intenta o ... sopesar na graduação dos candidatos e que não se subentendam num magistrado com trinta e tal anos de serviço?
b) O que é que ... entende por “bom senso” para o desempenho das funções de juiz do ... que já não se subentenda, ou esteja provado, nos termos da alínea anterior?
c) Que metodologia vai ... seguir para aquilatar do cumprimento dos prazos legais durante o exercício das funções de magistrado com trinta ou mais anos de serviço?
d) Que conceito de “aprumo moral” é prevalecente para o ... e que metodologia vai percorrer para avaliar, aí, os candidatos: é válida a moral kantiana, existencialista, ou apenas a dominante judaico-cristã, ainda por cima tratando-se, como se trata, de um concurso meramente curricular?
e) O que entende o ... e como o vai concretizar, sendo o concurso meramente curricular, o que designa por “imagem na sociedade...”?
Como toda a carta tem resposta, também esta a teve, pois, datada de 23 de Fevereiro, logo recebeu resposta em 31 de Março que diz, depois de tudo decidido em 24 de Março:
“.... a densificação ... dos critérios ... mais não visa ... do que a possibilidade de apresentação e ponderação de quaisquer outros factores que possam abonar a idoneidade dos concorrentes e que se mostrem reflectidos no seu curriculum e trabalhos...”.
Com tanta clareza e transparência, tem de ficar-se grato “ad aeternum”. O poder explica-se, sem se explicar, depois de decidir.
Mas isto quer dizer que a “idoneidade dos concorrentes” é medida pela sua imagem na sociedade, pelo seu aprumo moral, pelo seu bom senso... se isso ficar reflectido no curriculum e nos trabalhos sujeitos a análise/inspecção. E se não ficar, como é? E como é que fica? E como se avaliam e graduam os candidatos por tais critérios? De onde vem o poder para avaliar alguém por tais pseudo-critérios? A tal densificação, que a palavra é bonita e, então, deve usar-se, não constitui, em contas finais, uma porta escancarada por onde entram uns e são expulsos outros, os não alinhados, os que opinam de modo diferente, os que se atribuem o direito de pensar e, que heresia!, os que até ousam, publicamente, criticar/discordar?
Eu já escrevi sobre isto tudo e não vou repetir-me.
Só quero, intimamente, dirigir os meus agradecimentos aos “informadores” que, sempre atentos e colaborantes, fizeram engordar o meu dossier com os textos que escrevi, assim contribuindo para “densificar” a minha idoneidade para o cargo.
Voltaria, esperando que, novamente, me ajudassem, a escrever como alinhavei em “BOM SENSO”, “A CORRUPÇÃO, AS PALAVRAS E A MORAL”, “IMAGEM VIRTUAL” e outros.
Mas estou, firme e convictamente, persuadido que a instância em causa não se deixou influenciar pelas informações insidiosas e que recebeu, com infindo agrado, as posições críticas tecidas. Não se tratou, façam-me essa pequenina justiça, de análises maldosas, antes de manifestação de desacordo por um sistema que tenho por errado e que permite toda a subjectividade insindicável sobre a valia, ou falta dela, de qualquer concorrente. Todos, ou muita gente, diz isto, nos gabinetes e nos corredores, em surdina, mas abençoa o sistema sempre que ultrapassa as barreiras.
Mau grado tudo, mas, é certo, que com a ajuda subterrânea da informação, lá me colocaram num lugar honroso. Estou sinceramente grato. Daí infiro que o meu curriculum e trabalhos nada reflectiam que fosse adverso à tal “densificação” de idoneidade para o cargo. Quedo-me, todavia, preocupado porque, ignorando eu, os tais trabalhos “científicos” poderiam ter reflectido o contrário.
DEO GRATIAS.


Alberto Pinto Nogueira
# posto por Rato da Costa @ 13.4.04

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