terça-feira, 12 de abril de 2011

Os Cordoeiros: Segunda-feira, Abril 12 [2004]

Segunda-feira, Abril 12

ESTRANHO GRITO

Estranho grito, este,
numa boca amordaçada
- tem o cheiro dos silêncios
de uma casa assombrada.

Estranho grito, este,
num peito cheio de nada
- tem o calor dos verões
em tempestade amainada.

Estranho grito, este,
numa noite inacabada
- tem o sabor acre do sal
de uma praia abandonada.

Estranho grito, este,
numa alma atribulada
- tem as grilhetas de ferro
de uma águia enjaulada.



C.R.
# posto por Rato da Costa @ 12.4.04

Poema que não sei escrever

Para a Pitonisa
São árvores e folhas e homens,
a substância das coisas
iluminadas pela luz,
de modo a tornarem-se
poemas sem palavras.

Conspurco-os com as minhas tentativas,
porque nada sei da vida a não ser
ter olhos e ver.
A não ser a memória fotográfica de uns dias
e essa necessidade de dizê-la.
Esse confronto com a insuficiência.

O nascer do sol ignora os homens
e seus dramas liliputianos.
Coloca a poesia lá.
No espaço privilegiado da percepção,
no claro-escuro
do quadro que jamais pintarei,
do poema que não sei escrever.



Eugênia Fortes
# posto por Rato da Costa @ 12.4.04

Sem culpa

Os ideólogos deram lugar aos psicólogos. A militância à vitimização. A vontade de mudar o mundo transformou-se na somatização dos males do mundo. Todas as semanas uma nova doença, geralmente do foro psicológico, justifica-lhes a demissão. Perante qualquer problema eles nunca são realmente responsáveis. Mesmo que o problema sejam as ultrapassagens perigosas; matar ao murro a mulher com quem se vive ou aceitar subornos. A culpa será sempre da má sinalização das estradas; do facto da mulher ter gritado (veja-se, por exemplo, a defesa de Bertrand Cantat, vocalista dos muito pacifistas Noir Désir, durante o julgamento por assassínio a murro de Marie Trintignant), ou do sistema que os tornou reféns da sociedade de consumo.


Helena Matos, no Público

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