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Lisboa, 27 de Outubro de 1959
Caro Dr. Rodrigues Miguéis,
É com algum remorso que meto esta folha na máquina. Eu tinha prometido a mim mesmo dar-lhe notícias amiúde, as notícias que a sua condição de exilado voluntário não pode dispensar. Outros lhe darão outras, mas ninguém mais lhe poderá dar as nossas. O pior é que o tempo se me vai sem eu dar conta, no meio destes microscópicos afazeres que a sua ironia maltrata um pouco – mas que, como consumidores de horas, valem tanto como a Divina Comédia.
Os cheques este mês vão um pouco atrasados. A ausência dos nossos amigos Correia e Canhão impediu que este assunto se liquidasse em tempo devido: são necessárias as assinaturas de ambos. Tal como pediu, vão já em dólares.
A Noite, embora pronta há mais de 15 dias, só começará a ir para as livrarias na próxima 5.a feira, 29, por conveniência de distribuição, pois acabou-se agora a segunda edição de um livro do Graham Greene. E por falar em novas edições: a Léah vai entrar triunfalmente em 3.º edição, na Neogravura como as anteriores, naquele tipo e naquela mancha que lhe são tão caros. Isto apesar do preço puxado que eles insistem em pedir… A tiragem? O conselho, reunido ontem, fixou-a em 4000 exemplares, como se fosse uma primeira edição: tal é a nossa confiança! Depois disto, qual virá a ser a tiragem da desejada Escola do Paraíso, que já me tarda ver na minha frente? 10 000 exemplares? Chi lo sa?...
A capa da Noite não saiu como se esperava. Faltam na figura certos pormenores que a impressão borrou. O Correia estava ausente e, apesar de todas as recomendações que fez antes de partir, o trabalho não saiu corno devia. Mesmo assim, é urna capa de efeito, com todas as condições para «matar o peão à passagem», como se diria em linguagem de xadrez. Com a nova edição da Léah, a Escola que há-de vir, a Páscoa e o Homem, mais a Aventura, não faltarão Miguéis aos leitores. Porque, quanto à prova de que não faltam leitores a Miguéis, essa está feita…
O Nataniel não chegou ainda. Como comprou um carro em França e tenciona vir nele, deve estar a encher-se de coragem parta meter rodas ao caminho, heróica e consularmente agarrado ao volante.
Em breve lhe mandaremos a nota das últimas vendas. E também o contrato da Léah III, assunto que entrego à consabida diligência do nosso Canhão…
Estarei atento às notícias e críticas que a Noite suscitar. E mandar-lhas-ei, a não ser que a sua assinatura do Recorte preveja o envio delas para aí.
Por agora é quanto há. Mas prometo ser mais pontual da próxima vez.
Creia na estima e na admiração de todos nós, e em particular na do
José Saramago
P.S. Vai ler a Noite, não vai? Diga-me onde foi que eu dormitei ao rever as provas…
Em tempo: Esqueceu dizer que foi feita uma reimpressão da capa. As que recebeu são das primeiras. Segue um exemplar com a nova capa.
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