domingo, 10 de abril de 2011

José Rodrigues Miguéis / José Saramago (1959-11-19)

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N. York, 19 de Novembro de 59

Meu caro Saramago!

Tentarei ser breve – que o tempo urge e as cartas são a montes! – Recebida com o gosto habitual a s/ carta de 13, com os cheques ($103,88). Noto que não lhes tenho dado recibo – deixo o caso ao cuidado do Sr. Canhão. Por tudo isto, e pelo que me diz, mil vezes obrigado. – Curvo-me diante do estrépido!
– A Escola avança. Faltam 3 ou 4 caps. e depois, a cardagem final – um a dois meses. Seguirá toda, formadinha e disciplinada, como cumpre a uma escola… democrática! Já sabe que não largo um texto que não considere maduro – como o vinho do Porto, o vintage.
– «Dentes como ossos» – ou seja, dentes botos, isto é, rombos, sem gume, embotados, ásperos (como ossos, sem esmalte) – devido a um ácido (limão, etc.) ou a certos ruídos (serra, por ex.). O povo inventa destas maravilhas!
Passageiro do Expresso – A «Divulgação» do Porto, comunica-me que o Conselho de Teatro (?) não autorizou o Teatro Experimental a levar à cena esta minha peça – e pede-me licença e condição para a publicar (em carta de 29 de Out.º). Junto a resposta que lhes mandei, ao Fernando Fernandes. Prefiro, é claro, que seja a COR a publicá-lo, se tiver desejo e maneira de! Por isso deixo o caso nas vossas mãos. Se a peça é irrepresentável (não sei porquê!) maior é o meu desejo de a ver publicada. Que lhes parece? Digam-me com a possível brevidade – se for preciso por telegrama – MIGUÉIS 319 e 17 St. New York – Terei o texto pronto em 15 dias, e irá de avião. «É entrar, meus senhores, é entrar!» O Teatro do Santareno vende-se bem – por que não o meu? Quero dar resposta definitiva à «Divulgação».
– Acabo de receber o voI. da Noite com a nova capa – que está óptima! O livro sai?
– A Soc. de Escritores (Etelvina Lopes de Almeida) pede-me que autorize o sr. Enrico Cigogna a traduzir, e o sr. Aldo Martello, de Milão, a publicar a minha Genciana, num vol. Carosel1o di Narratori Portoghesi – mas não me falam de direitos de autor – como é de uso. Vou escrever-lhe a autorizar; estão de acordo?
– Obrigado pelas notícias do D.º de Lisboa de que espero receber recorte; corno do 1.º artigo.
– Cá espero também detalhes sobre a «fanfarra» e as respectivas «notas que são música». O Miguéis (dizem eles) entrou na desova, como o salmão… E ainda vou no começo! Acabem eles com a censura, etc., e verão o que vem por aí abaixo!
– O Jorge de Sena ficou no Brasil, e ouço dizer que o J.-A. França vai viver para o apelido: é certo? Portugal despovoa-se – é tempo, é tempo de o salmão regressar!
Por hoje, – não mais, musa, não mais, que a lira tenho destemperada… e a pena «como um osso». O frio chegou – 7.º negativos.
Digam da sua justiça.
Cumprimentos muito afectuosos do vosso
Miguéis 

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