quarta-feira, 6 de abril de 2011

José Rodrigues Miguéis / José Saramago (1959-11-13)

7
Lisboa, 13 de Novembro de 1959

Meu Caro Amigo

A composição da Léah III já começou, e a tal velocidade que não tardará muito o dia em que de novo invadiremos o mercado com a face saudavelmente flamenga da sua heroína. Recebi as suas duas listas de emendas, que observarei escrupulosamente na revisão. E por falar em revisão: a gralha única que me apontou na Noite (será possível, justos céus’?) não é da minha responsabilidade. Já que os seus elogios me envaideceram, quero ser vaidoso até ao fim. Não toquei no «cstrépido», apesar do meu OLHO de lince o não ter deixado escapar, porque a primeira prova, ainda revista por si, não acusava a emenda. Como as duas formas são legítimas, supus o «estrépido» intencional – e deixei ficar. Limitei-me, como vê, a respeitar o que julguei ser a sagrada vontade do Autor. E agora, sim, agora pode elogiar!
Seguem os cheques do costume; mais cedo desta vez, porque os capitalistas Canhão & Correia já regressaram à casa forte. Espero que, de futuro, não terá de queixar-se de irregularidade de pagamentos.
Essa Escola, quando começa a vir? Vem às fatias? Ou vem a Escola toda? Estamos todos aqui com os dentes como ossos, ‘como se diz nos meus sítios, palavra que não sei porquê… (Dentes como ossos1: ter tenho a vaga impressão de que a frase deve alguma coisa à espécie canina, mas não vejo bem como.) Não importa! Estamos desejosos, ansiosos, o que quiser!
Vi ontem no Diário de Lisboa a sua descoberta do mestre da Lourinhã. Creio que sou a primeira pessoa a dar-lhe a notícia da publicação. A nota do Aimez-vous Brahms? seguiu logo para o Artur Portela Filho (nunca escrevo este nome que não tenha a tentação de pôr Artur Portela Filo).
O Nataniel já veio e já se foi. Está extraordinariamente «cônsul». Não há dúvida de que um cargo destes é uma bonita coisa… Sente-se a gente outra, com um lugar maior no mundo, mais espaço para esbracejar, mais sol por cima da cabeça, e até, quando Deus quer, com um Peugeot 403 que é o pasmo dos transeuntes. Ele talvez não gostasse de ler isto – mas em quem há-de a gente exercitar a ironia senão nos amigos?
Segue a nota das vendas dos últimos meses. A fanfarra continua: é assim a modos que a «Marcha Triunfal» da Aída, só que não tem bailarinas, embora as Américas despeitadas e inevitáveis se misturem na figuração a fazer… o contracanto! Mas com elas pode o meu amigo bem.
Hoje não há mais nada. Salvo os abraços costumados de todos nós, e a especial admiração do

José Saramago

(Para não reter mais tempo os cheques, as notas de venda

1 Na margem, uma nota de Miguéis: «sem esmalte, áspero».

                 NOTA DE VENDAS (música da «Marcha Triunfal» da Aída)


Léah
Páscoa Feliz
Noite
Meia Cara
Janeiro
117
49
174
44
Fevereiro
290
93
177
66
Março
188
93
190
47
Abril
97
50
85
13
Maio
154
35
75
17
Junho
87
30
103
20
Julho
160
12
88
4

                      Total: 2558!! 

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