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Lisboa, 13 de Novembro de 1959
Meu Caro Amigo
A composição da Léah III já começou, e a tal velocidade que não tardará muito o dia em que de novo invadiremos o mercado com a face saudavelmente flamenga da sua heroína. Recebi as suas duas listas de emendas, que observarei escrupulosamente na revisão. E por falar em revisão: a gralha única que me apontou na Noite (será possível, justos céus’?) não é da minha responsabilidade. Já que os seus elogios me envaideceram, quero ser vaidoso até ao fim. Não toquei no «cstrépido», apesar do meu OLHO de lince o não ter deixado escapar, porque a primeira prova, ainda revista por si, não acusava a emenda. Como as duas formas são legítimas, supus o «estrépido» intencional – e deixei ficar. Limitei-me, como vê, a respeitar o que julguei ser a sagrada vontade do Autor. E agora, sim, agora pode elogiar!
Seguem os cheques do costume; mais cedo desta vez, porque os capitalistas Canhão & Correia já regressaram à casa forte. Espero que, de futuro, não terá de queixar-se de irregularidade de pagamentos.
Essa Escola, quando começa a vir? Vem às fatias? Ou vem a Escola toda? Estamos todos aqui com os dentes como ossos, ‘como se diz nos meus sítios, palavra que não sei porquê… (Dentes como ossos1: ter tenho a vaga impressão de que a frase deve alguma coisa à espécie canina, mas não vejo bem como.) Não importa! Estamos desejosos, ansiosos, o que quiser!
Vi ontem no Diário de Lisboa a sua descoberta do mestre da Lourinhã. Creio que sou a primeira pessoa a dar-lhe a notícia da publicação. A nota do Aimez-vous Brahms? seguiu logo para o Artur Portela Filho (nunca escrevo este nome que não tenha a tentação de pôr Artur Portela Filo).
O Nataniel já veio e já se foi. Está extraordinariamente «cônsul». Não há dúvida de que um cargo destes é uma bonita coisa… Sente-se a gente outra, com um lugar maior no mundo, mais espaço para esbracejar, mais sol por cima da cabeça, e até, quando Deus quer, com um Peugeot 403 que é o pasmo dos transeuntes. Ele talvez não gostasse de ler isto – mas em quem há-de a gente exercitar a ironia senão nos amigos?
Segue a nota das vendas dos últimos meses. A fanfarra continua: é assim a modos que a «Marcha Triunfal» da Aída, só que não tem bailarinas, embora as Américas despeitadas e inevitáveis se misturem na figuração a fazer… o contracanto! Mas com elas pode o meu amigo bem.
Hoje não há mais nada. Salvo os abraços costumados de todos nós, e a especial admiração do
José Saramago
(Para não reter mais tempo os cheques, as notas de venda
1 Na margem, uma nota de Miguéis: «sem esmalte, áspero».
NOTA DE VENDAS (música da «Marcha Triunfal» da Aída)
Léah | Páscoa Feliz | Noite | Meia Cara | |
Janeiro | 117 | 49 | 174 | 44 |
Fevereiro | 290 | 93 | 177 | 66 |
Março | 188 | 93 | 190 | 47 |
Abril | 97 | 50 | 85 | 13 |
Maio | 154 | 35 | 75 | 17 |
Junho | 87 | 30 | 103 | 20 |
Julho | 160 | 12 | 88 | 4 |
Total: 2558!!
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