segunda-feira, 4 de abril de 2011

José Rodrigues Miguéis / José Saramago (1959-11-13)

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319 East 17th St
New York 3, NY

5 de Novembro de 1959

Meu caro Saramago

Em frente da sua carta de 27 de Outubro, a minha da véspera deve-lhe ter parecido quase cortante! E, antes de mais, onde foi buscar essa de que a minha «ironia maltrata» um pouco os seus «microscópicos afazeres»? Alguma frase minha, mal torneada, lhe terá deixado essa falsa impressão. Ninguém poderia simpatizar mais com os seus labores do que eu! (no sentido inglês de com-padecer: sympathy) E, já o sabe pela minha carta, a sua revisão foi magistral. Só achei uma gralha: estrépido (–to) na pg. 251-9. Posso-lhe assegurar que não dormitou! Embora Homero… e eu! Etc. Só rogo às Musas que isso não tenha agravado a sua gastrite, ou ideia de gastrite!
Peço-lhe que não tenha remorsos: não lhe disse já que basta anotar-me o que tiver a dizer-me, e meter num envelope? Sem a apoquentação de escrever cartas – e sei o que custa! Em estilo telegráfico! Embora eu aprecie imenso o seu humour: a do Nataniel, «heróica e consularmente agarrado ao volante», é perfeita.
Fiquei derretido com a novidade da 3.ª edição. Mas será imperativo que ela tenha o mesmo aspecto gráfico? (Se se tratasse das Obras Completas, como dizia o Nataniel!...) Um c. 10 pouparia papel, pelo menos. E 30 esc. é um preço muito módico para tamanho volume. Começo a crer que é um livro para continuar a vender continuamente. Há porém GRALHAS que me escaparam na 2.ª ed. (e algumas emendas a fazer), e mando-lhe a lista das que achei na Léah… Quando deixarei eu de ler esta prosa!... As provas foram lidas pelo excelente A. Vieira, creio, e por mim e mais alguém? Já não me lembro. Irei mandando as correcções a fazer nas outras histórias.
Da capa da Noite já lhe falei, e a minha impressão coincidiu com a do Correia, como lhe disse. Mas o efeito é fulgurante. Foi bom que o artista lesse a Anamita, como eu propus. Alguns amigos americanos têm apreciado muito esta e a da Léah. – Não recebo recortes, e francamente só me interessam os muito sérios: G. Simões, Gazeta, Seara, Óscar Lopes e pouco mais. Se quiser mandar alguns muito lhe agradeço, mas depois folhearei aí a colecção. Não sei se cheguei a agradecer-lhe a sua brilhante nota no boletim da COR: faço-o agora!
Para a reedição da Léah não bastaria uma troca de cartas? Como para os outros livros? Só me falta saber se os meus Amigos querem manter as condições do contrato original (15%) ou adoptar as dos outros: 15% e 20%. Não faço disto cavalo de batalha, mas a minha franca impressão é que daqui em diante vou «funcionar» para a COR – escritor engajado! – e como tal não me desagradaria subir uns pontos na renda… Cá estou a trabalhar na Escola, e com progresso.
Mandei um artigo para o D.º de Lisboa («De como ‘descobri’ o mestre da Lourinhã»1 – pintura, etc.) e falei ao Dr. Mário Neves na Nota que lhe mandei a si para o Portela: Aimez-vous Brahms? O D. de L. tem-me sido muito dedicado, e eu correspondo.
Por hoje não o maço mais. Muito obrigado pelos cheques – cuja pontualidade não me canço [sic] de encarecer! E fico à espera do barómetro das vendas.
Abraços colectivos, e muitas saudades com a gratidão do vosso

Miguéis
1 Trata-se de um artigo sobre Raul Proença. 

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