segunda-feira, 11 de abril de 2011

A FLAUTA DO CUCO

Hoje estou satisfeito. Já ouvi cantar o cuco.
As raparigas do meu tempo costumavam perguntar:
«Ó cuco da flauta gaiteira?
Quantos anos me dás de solteira?»
Eu agora pergunto:
«Ó cuco da flauta garrida?
Quantos anos me dás de vida?»
Ouvi o cuco, ouvi a poupa, ouvi o tentilhão.
Fui aos ninhos. Não encontrei nenhum.
Será que as passaras começaram a usar a pílula?
Com as primeiras andorinhas chegaram as moscas.
Odeio moscas!
Vou inquirir da Assembleia da República se as posso malar.
É que não quero ir para a cadeia por causa duma varejeira. Tó carocha!
Ou a lei é omissa no que respeita às moscas?
E aos ratos?
Por acaso simpatizo com os ratos. Acho-os bonitos, espertos, videirinhos. Mas abusadores. Não me respeitam a despensa. E como eu não estou disposto a compartilhar com eles o presunto, tenho de lhes dar caça.
Mas não sei o que a Assembleia da República legislou sobre o caso.
Até à data tenho-me servido de todos os meios: ratoeira, cachaporra, cola, veneno, mistura de cimento e farinha.
Já me lembrei de comprar uma espingarda.
Mas tenho de me informar bem sobre a tal «Lei de protecção aos animais nossos amigos».
Fui sempre um cidadão cumpridor. Não vou agora tornar-me um fora-da-lei por causa duma vareja ou dum leirão.
Antes nunca mais dormir uma sesta descansado.
Antes nunca mais saborear uma febrinha de presunto sem o receio de contrair uma doença.
Prioridade às moscas! Protecção aos ratos!

Bento da Cruz, PROLEGÓMENOS – Crónicas de Barroso (p. 51 e s.) 

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