sábado, 30 de março de 2013

Coimbra, 30 de Março de 1981

A Árvore dos Tamancos, um filme italiano que podia e devia ser rodado em Portugal. Também entre nós existem ainda mundos rurais miraculosamente intactos, à espera de uma objectiva que os perpetue antes que desapareçam de vez na voragem do progresso. Mundos de humanidade, de imaginação, de pobreza, de injustiça e de lirismo, que mais tarde será preciso reconstituir para se saber que os houve, e que agora bastaria retratar escrupulosamente, sem retoques, como fez o realizador transalpino. Cingir-se à realidade e mostrá-la ao natural, palpitante, viva, cada personagem a ser, em vez de se representar. Mas quem nesta terra lusitana tem olhos virginais para ver o virginal? Aqui, apenas os poetas são capazes dessa pureza. Só eles atentam pu1cramente na nossa fisionomia individual e colectiva. Mas fazem-no metaforicamente, por sínteses desgarradas que, sendo relâmpagos de claridade, quase sempre deslumbram mais do que iluminam.
Miguel Torga

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