E de súbito a
gente repara que entrámos em défice de – como dizer? Daquilo que envolve uma
data de coisas que vão desde o heroísmo, idealismo, motivação para agirmos e
mesmo sermos diferentes, até ao que nos trabalhou a «espiritualidade», onde
cabe toda a realidade do espírito em que se incluía a vivência interior das
emoções, ideias, modo de se ser humano. A derrocada do Leste arrastou consigo
uma fracção enorme de sermos uns com os outros, de termos uma motivação para sermos
em grupo, termos motivos para nos diferençarmos, nos congregarmos ou opormos,
pensarmo-nos em função de quaisquer projectos políticos. E o conhecimento de
que o cérebro é em alterações que «explicam» as nossas emoções (o medo, a personalidade,
o «stress», etc.) reduz a uma certa materialidade o que era da nossa vivência
espiritual. A consciência do nosso «eu» fica indemne na sua autonomia, no
absoluto de nos sabermos ser. Mas o facto de sabermos como uma simples
experiência anatómica perverte tudo o que a isso agregamos, perturba
imensamente a verdade do que sentíamos e pensávamos. A «engenharia genética»
travou a sua investigação no limiar de uma subversão total do nosso ser humano.
Mas sabemos que esse limiar pode ser transposto e desmoronar todo o edifício do
que é o nosso modo de ser-se homem. Assim tudo isto abre diante de nós um
futuro possível de desertificação. Haverá sempre um abismo entre tudo o que nos
demonstram sermos em termos materiais e a imperativa verdade de nos sabermos
ser nós. Pode ser-se laboratorialmente outra
coisa. Mas a assumpção consciente disso que formos instaura em nós
inexoravelmente a consciência desse absoluto de sermos.
Resta no entanto a vida política, o
relacionamento dos homens à dimensão mundial. Que monstruosa construção de
ideias, sistemas, projectos para se ser humano em ideal de justiça e o mais, a
ruir subitamente diante de nós até a um estendal de escombros. Quanta ambição,
ódios pessoais fundamentados no pretexto de um projecto político, obras de
arte, mormente literárias, fundamentação mesmo da sua dignidade, sonhos de se
estar com a História, quantas ilusões desmoronadas com o terramoto. O Mundo
inteiro diverte-se a esta hora sobre si para (Interrompido).
VF
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