In illo tempore, quando eu andava em Coimbra, um
dos passeios favoritos do meu grupo, pelo tempo já quente de Maio ou Junho, era
ir até ao pátio da Universidade ver a tarde morrer na curva «sumptuosa» do Mondego e na maravilhosa
panorâmica de Santa
Clara. Havia aí um banco ao lado do Observatório
e lá nos sentávamos com cigarros e paleio. A noite ia descendo sobre a conversa
e nós banhávamo-nos na sua frescura. Ora aconteceu um dia que um de nós sentiu
a pressão hidráulica que se tornou mais urgente por ter reparado nela. Mas onde
dar-lhe vazão? E logo lhe ocorreu que o mais prático e higiénico era chegar-se
ao gradeamento e aliviar para a rua em baixo de que já não sei o nome. Mas
aconteceu que passava justamente nessa rua um transeunte que ao ver aquele
chuveiro intempestivo que vinha de cima, se deteve à espera que passasse. Mas
como havia o ditado segundo o qual «quando mija um português, mijam logo dois
ou três», nós não quisemos contrariar o provérbio. Éramos justamente três ou
quatro e pusemo-nos em fila de espera. De modo que logo que acabava um começava
o outro. O transeunte ainda aguentou o segundo chuveiro, admitindo a hipótese
de uma pressão excepcional ou uma bexiga excessiva. Mas quando o terceiro ou o
quarto avançou para a sua vez, o homem bramou furioso:
– Se mijas mais,
chamo a polícia.
Era o último, não mijou. Apertou a
braguilha e sentámo-nos de novo a continuar a conversa. E como o chuveiro
acabou, o homem deve ter ficado contente porque a sua ameaça tinha surtido
efeito.
*
Perdoai-me, ó homens solidificados a
cimento, espiritualizados a electrónica, mas há uma guitarra que ressoa no
fundo do tempo e eu tenho de ouvir. Vibra na eternidade da minha emoção
desamparada e eu tenho de me comover. É uma voz que me não fala de parte
alguma, do absoluto que não tem uma referenciação a não ser em si mesmo. Porque
o lugar a que poderei referenciá-la não é esse, nem outro que o pode render,
nem outro que se lhe possa adiantar. Tudo isso são pretextos para que não
faltem pretextos. Há outra coisa para lá delas e é da minha dimensão humana,
feita do excesso que de mim transborda. Como o impossível do amor, que
possibilitado morreu. O passado? Ele abre-se no acorde da guitarra, mas apenas
porque nunca existiu e a minha emoção ao ouvi-la é daí, da impossibilidade de
existir. Ela vai assim desse passado ao futuro, porque todo o tempo é do
incrível de nós. O futuro só nos ilude nisso, porque o imaginamos realizável
quando se realizar. Mas ele também se não realiza nunca, porque o que dele se
realizar não o vamos reconhecer como a sua realização. Uma guitarra ondeia no
espaço da minha emoção. É de lá. Não é de parte alguma. É só da eternidade de
nós, que é o instante em que a nossa vida se cumpre…
VF
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