As zangas são uma coisa curiosa. Desde os
motivos à avaliação do seu peso, variabilidade delas para cada um, a relação
dela connosco para calcularmos quanto de nós é posto em causa, relação da
variedade da ofensa com a importância que nos damos a nós – até à perduração
dela para lá da memória das suas razões. Este último pormenor é engraçado.
Porque a certa altura reparamos que já não sabemos bem porque nos zangámos, mas
continuamos zangados. Saber porquê exige boa memória. Zangámo-nos um dia, há
anos, perdemos já a lembrança do porquê, mas sabemos que estamos zangados e
então continuamos. Na aldeia as coisas são mais complicadas. Primeiro porque
toda a zanga é precedida de ralhos e saber ralhar é uma especialidade de quem
tem esse dom. De A ou B diz-se que «sabe ralhar». Ou seja,
sabe dar resposta pronta e de arrasar a antagonista, sobretudo se são mulheres.
Elas são temidas porque «sabem ralhar» e são rápidas e sintéticas ou demoradas
e prolongadas nos insultos. Mas acontece também que as zangas são extremamente
instáveis, com súbitas mudanças para de novo se «ficar a bem». Quando eu era
rapaz acontecia que abalava de férias com a minha gente a mal com alguém,
normalmente com gente da família. Mas quando regressava de novo a férias, já
estavam a bem. E então eu, se não era avisado, continuava a manifestar os meus
sentimentos de ofendido. Reparava então que já não se estava a mal e aí tinha
eu de recompor os meus sentimentos. Era isto uma dança que se repetia
constantemente. E então, a partir de certa altura, quando regressava a férias
perguntava como iam as coisas no relacionamento da família. E acertava logo o passo
com ela. Mas já tinha falado disto, suponho.
VF
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