Já há pássaros! Já se ouvem! Mesmo assim,
devem ser pioneiros ou marginais. Porque os outros, os ordeiros, os cumpridores
do regulamento e dos preceitos da Natureza, ainda devem estar em preparativos
de viagem. Imagino-os mesmo já de malas feitas, mas sem arrancarem pé e a
olharem para o relógio. De todo o modo, já há pássaros. E como eu os amo, a
estes aventureiros que se estiveram nas tintas para o horário dos caminhos
aéreos e largaram por aí fora ao mínimo sinal de uma luz consequente. E luz já
há para encher de alegria um cemitério. Luz nos pinheiros, nas flores
domésticas ou vadias, no ar deslumbrado como um sorriso. Saí daqui do meu
buraco em que faço de intelectual e fui vê-la na mata, onde é mais luminosa por
ser mais livre. Fui até às glicínias e desta vez nem precisei de afocinhar nos
cachos pendentes para olhar e sentir o perfume. Sentia-o mesmo a uma certa
distância, mais ténue decerto, mas ainda assim bem marcado e envolvente.
Decerto, porque o maciço que reveste todo o muro se excitava também com a doce
luminosidade e se desfazia em mais perfume. É uma luz singular, de início da
vida, a da promessa inteira, não a do delírio estival ou a luz doente do
Outono. Luz pura, não tocada ainda de vício ou de doença, luz para se
acreditar, em nosso perfeito juízo, que se vai ser imortal.
VF
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