sábado, 7 de maio de 2011

18 - José Rodrigues Miguéis / José Saramago

2.ª feira, 4 de Abril de 19601

Meu caro Saramago:

Faz hoje 15 dias que lhes deve ter sido entregue, se foi, o primeiro pacote (255 fls) da Escola, que daqui saiu no sábado 19 de Março, de avião, em mão do Arq.º Herlânder Peyroteo, da TV Portuguesa, com a promessa de ser entregue na 2.ª feira, 21. Dias antes, a 17, creio, escrevera-lhe eu, a rogar o favor de me avisarem sem demora da entrega, em vista da minha natural inquietação. Se a entrega se não fez (e porquê, se o avião não caiu?!) eu devia estar avisado há bons dez dias. Eu não estou na Lua – estou a 14 horas de avião!...
Confesso-lhe que estou profundamente desanimado com o vosso desinteresse, na falta de atenção, que repete e agrava o caso da peça, em Dezembro. É como se o esforço mesmo que me tenho imposto, para cumprir o prometido, não representasse nada para a COR. Nem sequer a minha inquietação perfeitamente legítima, lhes merece o cuidado de uma simples mensagem – «Recebemos» ou «não recebemos»! São as coisas da Vida Portuguesa – e eu já não falo de conceitos ou regularidade comercial, mas do mero caso humano e pessoal. Nem sequer falo dos cheques, como se o pagamento regular fosse um favor do sistema capitalista!... E eu sou um escritor cujos livros se vendem... Oxalá os meus amigos tivessem meia dúzia como eu.
Francamente, é caso para eu reconsiderar todos os meus planos de trabalho, e perguntar se, nestas condições, me vale a pena continuar o esforço em que vivo. Porque, enfim, eu não fabrico capilé!... e se não me vale mais mandar as Letras Portuguesas onde elas merecem ir – e dedicar-me a ganhar tranquilamente o pão de cada dia, neste Empório do Capitalismo, onde o trabalho, manual ou mental, é tratado com respeito! – Imagino a cena – Você, inquieto, a querer escrever-me, mas «já agora, é melhor esperar pelos cheques» etc.! – escrevo hoje a um amigo, o meu compadre Virgílio Guerreiro, a pedir que lhes telefone a informar-se, para minha tranquilidade.
Com muita pena desta bruta sinceridade «portuguesa».
Abraça-o (esperando notícias!) o amigo dedicado

Miguéis

(Tão pouco recebi ainda a Léah III, comum ou especial!)

1 Uma nota em cima: «Não foi! impaciência!»

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