Nos últimos dias, as emissoras radiofónicas, os jornais e as televisões deste país têm preenchido os noticiários com longas e por vezes maçadoras reportagens sobre o que se está a passar por essas auto-estradas de Portugal.
Pelos vistos os utentes não querem pagar portagem. Bloqueiam as pistas, buzinam, demoram os pagamentos, gritam, pintam o diabo.
Acho bem. Que não paguem. Ou, se pagam, que bufem.
Mas atrevo-me a fazer uma sugestãozinha inocente. Se os do litoral não querem as auto-estradas com portagens, que as mandem para o interior. A Barroso caíam-lhe como sopa no mel umas três ou quatro. Uma que nos ligasse às grandes capitais da Europa, outra a Braga, uma terceira a Vila Real, uma quarta entre Vilar de Perdizes e Fafião.
Se as não poderem mandar todas, mandem pelo menos uma que nos ligue a Braga. Verão como nós pagamos a portagem de cara alegre.
Apelo aos meus Conterrâneos
É sempre com emoção que percorro os caminhos de Barroso. A profundidade dos horizontes, o silêncio dos vales, o misticismo dos píncaros, a limpidez das torrentes, a garrulice das águas, a música dos pássaros, o perfume das plantas, a leveza da aragem, o límpido cristal das albufeiras e, melhor do que tudo isso, o carácter aberto, simples, generoso, acolhedor, do povo barrosão.
Lá voltei, uma vez mais, neste mês de Agosto próximo passado. Estive no cimo do Larouco, nos Cornos das Aloiras, na Roca da Ponteira, no Mosteiro de Santa Maria das Júnias, na Cascata de Pitões.
Assisti à feira do prémio do gado de raça barrosã, a várias chegas de bois, às romarias, ao Congresso de Vilar de Perdizes.
Saboreei o nosso presunto, o nosso fumeiro, o nosso cabrito, a nossa vitela, o nosso pão centeio cozido em forno a lenha, a nossa batata, os nossos legumes, sem dúvida das melhores iguarias de Portugal.
Mas regressei preocupadíssimo com sinais de rápida degenerescência. Um exemplo: o lixo está a macular tudo — as bermas dos caminhos, as valetas das estradas, as margens dos ribeiros, o vão das pontes, os cantos e esquinas dos povoados. Até os cemitérios de automóveis, essa porcaria ferrugenta, essa coisa imunda, essa mácula sem qualificação possível, está a inundar os vales, as encostas, os outeiros, tudo quanto era recanto de beleza e deixou de o ser.
Deixo aqui um apelo aos meus conterrâneos: detende-vos um pouco, metei a mão na consciência, caí em vós e arrepiai caminho, antes que o nosso querido Barroso se transforme numa lixeira repugnante à vista e ao olfacto.
Congresso de Medicina Popular de Vilar de Perdizes
Fui lá e gostei. Bruxedo ou não, fez-me bem a romaria. E não foi só do presunto, aliás excelente. Foi também do convívio, do ambiente de festa, do encontro de velhos amigos, do relacionamento com novas caras.
Esta lembrança do presunto merece um aparte. Se os de Vilar de Perdizes souberem prender os congressistas pelo beicinho, neste caso, pelo dente, com os bons e genuínos petiscos indígenas, eles, os congressistas, voltarão fora do congresso. Aqui fica a recomendação.
Retomemos a narrativa. Fui lá no sábado. Cheguei à hora em que dois autocarros, suponho que postos às ordens do congresso pela Câmara de Montalegre, saiam com as bruxas, perdão, com os congressistas para uma volta turística pela região. Pareceu-me que os dois autocarros não passavam duma gota de água num deserto. Se fosse necessário levar todos os romeiros a passear, nem um comboio de cem carruagens.
Que ninguém estranhe eu falar em romeiros. É que aquilo é mesmo uma rumaria à velha moda portuguesa. Bem. Para romaria ainda lhe faltam a procissão e os foguetes. Que o senhor diabo se não lembre de os incluir no programa…
Como espectáculo, porém, não fica a dever nada à famosa festa da Senhora da Saúde, da mesma povoação. Com esta vantagem: o congresso dura três dias e três noites e a festa apenas um dia e uma noite. A perder, portanto.
Por outro lado, vi lá, em vez de tendeiras com doces e balcões de comes e bebes, escaparates de livros e ervas medicinais e tendas de videntes, cartomantes, curandeiros e endireitas. E sobretudo, uma curiosidade enorme de toda aquela enorme multidão. Um exemplo. No átrio das escolas primárias, ao sol, ao pó, ao vento, um sujeito sem nada que o recomendasse, antigo padre ou professor a quem um parafuso deve ter saltado do lugar, mandou vir durante horas seguidas, discutindo desconexamente a respeito de tudo e de todos e teve artes de manter, durante toda a santa tarde, uma larga roda de ouvintes interessados. E o pascácio não dizia coisa com coisa nem admitia réplica. O que não seria, se o banha de cobra tivesse, como não tinha, a presença e o verbo de S. Paulo a pregar aos gentios.
Não pude ver mais nada porque os amigos me arrastaram para a merenda. Arrastaram é força de expressão. Quando me falaram em presunto, não foi preciso chamar por mim duas vezes.
Regressámos para a sessão da noite. E então é que foi o deslumbramento total. Por falta de espaço nos recintos fechados para tanto poder de mundo ali presente, haviam montado o palco ao ar livre. Julguei-me transportado por artemages à velha Atenas e estar perante o Areópago a ouvir Sócrates ou S. Dionísio o Areopagita.
Vamos lá. Os oradores não valiam grande coisa. O sortilégio ia toda para a assembleia, em anfiteatro, ao luar. Ou então era do excelente vinho da merenda. Tudo pode ser.
B. Cruz
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