sábado, 26 de fevereiro de 2011

“Tablóides” – Novembro de 1973

• «Por que escreve nos jornais?», pergunta-me o leitor azedo. «Porque é proibido escrever nas paredes, um “jornal de parede” que todos pudessem ler à vontade! Nunca escrevi para os “intelectuais”, nem mesmo quando circulava entre eles. Primariamente, escrevi sempre para mim mesmo, e para Toda-a-Gente, essa hidra de mil cabeças.»
• «Não consegui aderir», dizia-lhe um leitor, a respeito de um dos seus livros. Resposta dele: «Talvez eu devesse ter usado papel mata-moscas na impressão?»
• Esta frase: «A língua é a minha Pátria», atribuída a um Poeta, saiu inteirinha das «Epístolas» do Novo Testamento…
• Herói antigo: «Ingrata Pátria, não comerás meus ossos!» Sim, mas ela foi-lhe chupando os tutanos (ou a alma).
• «Sim, sim», dizia um escritor de avançada idade a uma jovem leitora que o assediava com as suas atenções: «Talvez eu seja como Você diz, um escritor extraordinário. Mas o que eu já não sou, de certeza, é sequer um homem ordinário!»
• Diálogo:
- O senhor recebeu o toque do génio.
- Lisonjeia-me imenso. Quanto lhe agradeço…
- Espere: O génio passou, tocou-lhe na testa… e foi-se embora.
• Um amigo de Paul Valéry disse a respeito deste: «Cavador de situações, de honras e veneras, de reputação e lucros!» De quantos poderíamos dizer hoje o mesmo, que nem sequer têm a escusa do talento.
• O moderno romance em vários países: (as pessoas presentes são sempre exceptuadas).
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• Diz-se que é próprio do génio tornar claras as coisas complexas. Eu, lendo uma prosa confusa, difusa, obscura, obtusa, ininteligível, digo logo: «O autor é um génio!»
• Semeia escravos, colherás guerrilheiros.
• A um traficante que voltara milionário do Extremo Oriente chamaram «Rei da Pechinchina».
• Ouvindo a rádio: «Isto é Offenbach!» «Não: Offende-Bach!»
• Escritor de génio, pede-se:
- Um homem que, além do talento, tivesse a gravidade de Herculano e Antero, a ironia e finura do Eça, o sarcasmo de Camilo e Fialho, o bom gosto (só este) de Ramalho Ortigão, o burlesco de Raul Brandão, a veia polémica de Raul Proença…
- Mas seria um monstro!
- Exacto. É de monstros assim que estamos precisados.
• «Um homem sorri à morte? Ora adeus! Que há nisso de grande? O difícil é sorrir à vida!»
• Para a representação da farsa O Bocejo, o empresário contratou um mímico famoso, a quem confiou o papel de um personagem que sofria de bocejo nervoso, incontrolável, repetido. Esse era mesmo o fulcro do êxito da peça. Na opinião de um crítico que assistiu à estreia: «O sucesso de O Bocejo foi tal que antes de o pano (de boca!) ter descido sobre o primeiro acto, o público, cansado de bocejar por indução, dormia a sono solto. Escusado será dizer que não houve segundo nem terceiro acto.»
• O «inconsciente colectivo» que todos nós citamos (quase sempre de ouvido ou de o ter lido nos jornais) só existe na medida em que é individual… e consciente.
• O único problema sério da Vida é a Morte. Ele domina todos os outros.
• Muito nós falamos da sociedade de consumo! (Como se não fôssemos todos, pelo menos em potencial, vorazes consumidores.) Mas para a combater ou contrariar, adoptámos e encarecemos o seu maior promotor e seu braço-de-ferro: o advertising (ou publicidade). É a conciliação dos contrários… à moda deles.
J. R. Miguéis

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