A Rosa Maria Goulart mandou-me a tese sobre mim. Tinha-a já lido aos bochechos à medida que me ia enviando as folhas. Mas é muito diferente ir riscando fósforos para nos orientarmos num corredor escuro ou acender uma lâmpada que o ilumine logo todo. Li-a, pois, agora (quase) de um trago. É uma coisa linda. Fina, arguta. E um toque de indizível feminino que lhe dá uma flexível elegância. Assim é muito agradável de ler. Naturalmente transcreve muitos trechos dos meus livros a acompanhar a dissertação. E quando os releio, decerto por aquilo que os emoldura, toma-me uma cálida suspeita oblíqua de que não serei talvez um escritor carecido — como à força se obstinam em convencer-me.
Em todo o caso, houve trechos que não gostei de ler. São os trechos em que do combate com a sensiblerie, meu pecado original, ela me escraviza ainda. Não quero que me abandone porque faz parte do que sou: quero só que me não domine e saiba ocupar o seu lugar. Tremenda luta a minha contra a pieguice, um certo infantilismo que me impregnou. Mas o pólo oposto disso, a «secura», a «dureza» são também péssimos porque são retórica da anti-retórica.
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Há dias vieram à TV três cineastas falar do cinema de hoje. E eu percebi, embora o não dissessem, que o seu desânimo não tinha que ver com as condições portuguesas de fazer filmes, e era submersamente um desencanto contra o facto em si de ainda se fazer cinema. O problema em causa, mas que não se revelou em causa, vinha da pergunta larvar sobre o que significa hoje fazer ainda um filme. Ou seja, o que significa ainda fazer arte cinematográfica. E atrás dessa questão estava uma outra, muito simples, sobre o que significa hoje ainda fazer arte.
V. Ferreira
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