terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

[1989] 22 – Fevereiro (quarta).

Era um casal jovem e deviam ter um filho no projecto porque se riam mutuamente e mutuamente se encostavam. Via-os no café Vává quando ainda o frequentava. Depois deixei de o frequentar. E de longe em longe, tempos depois, lá calhava encontrar um ou outro frequentador desse café, marcados singularmente pelo envelhecimento. Foi assim que reencontrei o par de namorados. Ela era loura, não do género «sexy», mas do género romântico e suave, ou ao modo de dizer esteriotipado e lugar-comum, uma «virgem de Ossian», que aliás não sei bem o que seja. Ele era um tipo magro de meia estatura e enérgico, com um bigode como pestana de ascendência Clark Gable. Revi-os também mais tarde, mais separados, caminhando a par. E hoje voltei a encontrá-los. Ela fanée ou faisandée, com os traços já desequilibrados uns dos outros a tombarem na feiúra. E ele ainda tesinho, mas já no esforço para isso. Não deviam ter tido filhos ou já os não tinham porque no encosto de um no outro era já a vida que encostavam.
*
Veio aí um jornalista da Rádio Renascença para falar da censura no tempo de Salazar que está a ser centenário. Falei. Mas falei também da que nunca se refere e era a censura paralela do comunismo e de como entre as duas me entalei. Era a censura que actuava nos centros de decisão — os jornais, editoras, revistas e ainda no passa-palavra dos cafés e livrarias que alçava a génio ou enlameava a reputação de quem muito bem lhe parecia, de acordo com as ordens vindas do alto. E disse muito mais coisas. Mas estou cansado e não vou repetir. 

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