Vai-se pouco ao cinema. Pouquíssimo ao teatro. E aos concertos não sei se irá muito mais. E porquê? Muito bem: é simples. Porque a TV dá-nos isso em casa e mais em conta. E realmente. Para se ir ao teatro e cinema é preciso sair-se muitas vezes à noite, sujeitos aos assaltos, rapinanços e outras graçolas urbanísticas. E paga-se um dinheirão. É claro que a TV dá os filmes e o resto que lá lhe parece. Mas agora com as vídeo-cassetes, alugadas por exemplo no fim de semana, paga-se menos que pelos bilhetes e fica-se no quentinho da paz doméstica. E o resto — música, etc. — é mais ou menos assim. Isto é inegável e fortemente explicativo. E todavia eu adianto a hipótese de que não é só por isso. O teatro já vem sendo pouco frequentado de há muito tempo. Sempre me lembro, com efeito, das queixas consuetudinárias de actores, empresários e mais família da coisa. Com o 25 de Abril houve talvez melhoria com a praga política nas mini-companhias. Mas era isso o prolongamento do desabafo de quem respirava ainda dos 50 anos salazaristas. Depois ficou só o vanguardismo da «pesquisa» (porque estes teatrólogos faziam muito teatro de «pesquisa», sem jamais encontrarem o que pesquisavam) e esse vanguardismo, que era fazer o contrário do que poderia agradar, acabou por ter um efeito circular, com um público a assistir, que era o mesmo ou o prolongamento do que já funcionava para a assistência. Ou um público autofágico, constituído pelos actores.
Ora bem. Tudo isto é assim ou parecido e eu nada tenho a objectar. Mas confusamente outra razão se me esboça e vou mesmo avançá-la. A arte e em volta dela a cultura, está bastante tutelada. O respeito tradicional pelas coisas culturais é feio que se não mantenha como o de múltiplos valores que nos obrigam à curvatura e ao silêncio. Mas é evidente que aos poucos se vai tendo o descaramento de dizer não, porque não é já muito vergonhoso dizê-lo. Como roubar e outras malandrices que até têm piada e são mesmo explicáveis e desculpáveis para os políticos mais dados ao progresso. Além de que o teatro é de todas as formas de arte a que tem mais visível a convenção e o artifício. Porque gramar a chumbada de apanhar frio e cotoveladas a ver uns tipos no jogo parvo do faz-de-conta num palco? O cinema há muito que lhe passara atestados de chatice e carestia. Mas o próprio cinema começa a ter menos fregueses porque uma parada de «rock» é muito mais gira e conforme com um modo moderno e despachado de se ser. E todo o problema está aqui. Porque está no desprezo claro, nesta era tecnológica, da cultura como coisa do passado, mais própria dos inválidos da botija e dos agasalhos. A propósito: já repararam que hoje os jovens é raríssimo usarem sobretudo ou gabardina? Ou mesmo sapatos de cabedal em vez dos «ténis»? ou até meias para conforto dos pés? O problema é só esse, ó atávicos defensores do homem e dos seus valores que o promovem acima do suíno! A questão é só essa — a de que tudo se confunde na indiferenciação da arte como valor e de qualquer merda que jamais se valorizou. O único valor a defender é o do divertimento, o que distraia e não chateie como essa pessegada das coisas da cultura, só já própria da velhada reumatismal. O resto é a defesa de um móvel bonito, no meio de um grande incêndio que tudo reduz a cinzas.
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