sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Os Cordoeiros: Quarta-feira, Fevereiro 18 [2004]

Privatizar o Ministério Público...

“... cada um tem o direito... de sustentar a verdade que entender, ainda que esta não passe, para todos os outros, de um simples erro...” - Miguel Veiga

Por complexo de esquerda ou arrogância de pretenso intelectual da mesma, não compro, nem leio, o que Diana Andringa, ex-presidente do Sindicato dos jornalistas chamou de jornalismo de sarjeta.
Se Miguel Veiga concedeu uma entrevista a um pasquim, com o nome diabólico de “O Diabo”, só tenho de concluir, desde logo, que o pasquim deixou de o ser.
MV é um advogado brilhante, um homem de cultura. A advocacia para ele é um hobby. A cultura um objectivo, a sua mundividência.
É um “Senador da República”.
Não se trata de uma personagem mefistofélica, tipo Proença de Carvalho, para quem o Ministério Público “... é um poder oculto...” – Público, 29/6/99.
Ora, se MV concedeu a tal entrevista, como concedeu, eu tinha obrigação de lê-la porque, a montante, outra obrigação se me impunha: a de considerar que o pasquim, fatigado do lixo, saltara da sarjeta que o albergara desde que a mãe o pariu.
Reparei, então, ao ler o que MV disse, ou o que o jornal diz que disse, que o “Senador” tem ideias próprias e modernas sobre o Ministério Público. E sendo eu magistrado do mesmo, isso devia interessar-me.
E interessou.
Diz ele:
“... A PGR não devia ser uma magistratura, o procurador-geral é um advogado do Estado...”.
MV quer, se isto não é mera retórica, um MP anticonstitucional. Não quer uma magistratura.
Desse modo, a proposta de MV deixa subentender duas figuras jurídicas óbvias para o MP: deve ser funcionalizado ou privatizado.
Enquanto magistratura, sobretudo na área penal, é autónomo, sujeita-se a critérios legais, os cidadãos sabem que, mesmo com erros, há uns tipos independentes que exercem certas funções sem que os políticos lhes digam para acusar ou arquivar um processo. Sabem uma coisa que é simples e muito cristalina e que é a de que tudo quanto seja separar política da justiça é uma questão de saúde pública, como alguém, que me não lembro quem foi, já o disse.
Se o MP é funcionalizado, os actuais magistrados passam a depender dos telefonemas, das circulares, dos despachos de um qualquer director-geral, de um secretário de Estado, de um ministro: investigue isto, mas não aquilo. É esta dependência que caracteriza um funcionário e aquela independência que caracteriza uma magistratura. Se houver funcionalização, pelo menos alguns, os que ficarem, têm direito ao “emprego” porque o governo da República já garantiu que ninguém é despedido.
Por meu lado, vou mais pela privatização, outra das propostas que cabem nas palavras atribuídas a MV.
Os actuais magistrados ficariam contratados a prazo. Liberais do Ministério da Justiça. Com inscrição na OA. Se se portarem bem, o contrato renova-se. De contrário, dão lugar a outros mais capazes de se adaptar às novas tecnologias.
Entretanto, claro está, são pagos à peça: cada acusação X, cada petição Y, cada recurso X+Y, cada inquérito, X+Y+Z.
Ficaríamos todos a ganhar: os políticos porque se acabava com essa coisa de acusar por corrupção, por abuso de poder, por peculato, etc. Os contratados porque ganhavam no IRS e só aceitavam as peças processuais de rendimentos chorudo. O resto ficava para o patrocínio oficioso. No IRS, a dedução na matéria colectável ou na colecta ficaria engordada pelo automóvel, pelo frigorífico, pelas despesas de escritório.
As hipóteses de fuga não seriam muitas, pois é de pensar que o Ministério pagador exigisse recibo. Mas sempre dá chances de umas fugazitas próprias das que os tais magistrados já fazem, embora passem a vida a ser fiscalizados. Passando a profissão liberal, as coisas não se complicam.

PN
# posto por Rato da Costa @ 18.2.04

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