Ontem a TV deu no programa «Café Central» uma discussão sobre Iberismo. No fim a Natália Correia leu um texto do Diário do Torga em que este diz, mais ou menos, que, chegando a Espanha, se sentia a respirar mais largo, em desopressão e magnitude. É um texto levantado de megalomania. Apetecia dizer-lhe que se Portugal é escasso para as suas necessidades de respiração, fosse lá para a Espanha, ele e a sua pulmadura exigente.
Esta questão do Iberismo arrasta-se há longo tempo e sempre em termos de apenas se dizer sim ou não. Eu sou contra. E não tenho razões nenhumas para adiantar, excepto a de que sou português. Um dos elementos da conversa lembrou o que deveria ser decisivo ou de todo o modo a base indiscutível dela e é que os espanhóis mantêm fixa a ideia de empolgar Portugal. Qualquer outro argumento que se adiante tem de tropeçar neste pedregulho inamovível: os espanhóis têm a ideia fisgada de nos empalmar. E toda a discussão pára aqui: gostar ou não de ser embolsado. Claro que complementaridade ou confronto cultural, etc. é bonito e desejável. De todo o modo o problema básico é ser a favor ou contra a padeira de Aljubarrota. Depois, está bem, vamos lá à conversa. E se não tivesse havido o 1640? É duvidoso que o problema se tivesse esgotado. Mas de toda a maneira nós estamos em ’89 e pouco adianta saber que se o meu tetra ou pentavô não tivesse sido um safado, eu hoje talvez não existisse. Mas existo e aqui é que se começa. Mesmo a celebrada «federação» serve apenas o começo da história, não o fim. Federem-se eles, nós estamos aqui e não temos nada com isso. É um primarismo? Acabou-se, seja-se primário. Nem a admiração por Espanha, óbvia e indiscutível, retira nada à questão. Também admiro a França e a Alemanha e e. E depois? Alguém citou uma frase do Lourenço que não conheço: a Espanha é o único país em que a História é sujeito. Isto é incómodo, em primeiro lugar, porque não será verdade e em segundo lugar porque seria o começo do resto. E claro que vem aí a CEE e a questão vai pôr-se noutros termos. Nem quero pensar. E isto porque uma «comunidade» implica logo o problema da proximidade. Que pode significar-nos uma comunidade com a Bélgica, o Luxemburgo ou mesmo a Alemanha? Mas com a Espanha é logo outra coisa.
Tudo isto é ainda o reflexo do nosso complexo de inferioridade em senhores megalómanos como o texto do Torga o demonstra. E é estúpido arrastarmos connosco eternamente a ideia fúnebre de que somos cafres. Somos gente, temos quase nove séculos de nacionalidade. Nem uma nacionalidade a caminho do milénio se arrasa assim com facilidade. Um dos nossos mitos (de que na conversa se não falou) é justamente o do «da Espanha nem bom vento» etc. Os Estados Unidos da Europa é já ideia velha. Mas as nacionalidades continuaram o mito de o serem. A CEE nunca o poderá ignorar. Como é que em todo o caso o nivelamento vai ser ideia que passe nas malhas? Não o sei. O que sei ou temo é que a Espanha seja a primeira a tê-la no que a nós se refere. Os espanhóis jamais se resignaram a este facto brutal e é que nós quase lhe tapamos as vistas do Atlântico. E são fortes. E pensam que é só deitar a mão para arredar o tampão. E é isto que obsessivamente deveremos pensar. Até para salvaguardarmos a admiração por Espanha. E é só.
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E a propósito: como é que me deixei outra vez enredar nesta merdilhice diarística, embora destinada ao silêncio da vergonha?
V.F.
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