quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

6 – Fevereiro (sexta) [1990]

No tempo em que eu andava em Coimbra – e quantas coisas se douram logo de legenda na simples enunciação trindadecoelheira do «tempo em que eu andava em Coimbra» – nesse tempo de há meio século havia lá entre os bobos da academia um langão de beiça pendida e com um ar atordoado de estupidez e bonacheirice que chamávamos Dim-Dim. E a sua habilidade mestra, já celebrada por vários cronistas, e não sei se por mim, era ir «fazer bolinhas» a quem lhe mandassem, para recolher depois umas coroas pelo trabalho. E fazer bolinhas era ir por trás da vítima indicada e apalpar-lhe o que essa vítima tinha pela frente. Fúria do apalpado às mãos grossas do apalpador e gargalhada geral dos mandantes da apalpação. E ponto final no assunto. Porque o que eu queria era lembrar um grupo que no fim do curso congregámos e a que demos justamente a designação de «Bolinhas». Fizémos o jantar de despedida num restaurante da Sofia –, o «Flecha» nos números 163-165 – e em vários cartões do próprio restaurante escrevemos o nosso adeus – que o foi até hoje e para sempre. E de súbito, não sei porquê, pus-me a evocar os nomes dos que se agruparam nessa despedida e já os não recordo a todos. Tenho os cartões perdidos na confusão dos meus papéis, emaçados com jornais, encaixotados com a imensa correspondência de que há tempos tentei em vão decifrar os nomes de todos quantos ma enviaram – e assim não posso socorrer-me deles. Mas lembro alguns e dá-me prazer restaurar-lhes aqui a presença ignorada ou a ausência definitiva. Ponces de Carvalho, falecido há anos [1]e que foi casado com uma neta do João de Deus, senhora que activamente perpetua a acção educativa do avô e pai de um jovem cineasta que foi meu aluno. Creio que um Caldas, de Moçambique, médico não sei se já no paraíso. Ramiro Valadão, salazarista, mais tarde presidente da RTP e que os oposicionistas chamavam Ramiro Valadrão. Fred (Fernando Martins) já morto, geógrafo e de vida legendária, cuja tese tinha um título cheio de riscos assim: «Esforço do homem na bacia do Mondego». O risco estava em se poder dizer que o esforço do homem na bacia era aquilo. Bom tipo, aliás, aperfeiçoado no seu pequeno toque de loucura aventureira. Suponho que um Melo Furtado, açoriano, aparecido morto no Estoril, tapado, creio, com o casaco, mas sem que a razão da morte ficasse depois mais descoberta. Suponho que também o Bandeira, que era alto como o nome e foi já também descontado à Humanidade. E não me lembro dos outros. Mas destes, de que só dois (eu incluído) suspeito ainda a fazer de vivos, os nomes que deixo aqui dá-me a doce ilusão de que os prendo ainda à vida pela realidade que faz emergir da confusão das coisas o nome que uma delas alguém lhe dê, como logo Adão pôde saber.


[1] Exagero. Encontrei-o há bocado na Av. da Igreja (29.11.92). E está para durar.

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