quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

21 – Fevereiro (quarta) [1990]

E agora o que é que vai escrever? E uma pergunta que já me começam a fazer, depois de concluído Em Nome da Terra. Porque ma fazem? Deve ser por deferência, amabilidade. Ou apenas por formalismo como me perguntam como estou. Ao protocolo desta pergunta não respondo como o outro quando disse estou bem graças a Deus, o pior é este reumatismo que me não deixa mexer. E digo de caras: estou à rasca. Se realmente estou. Mas à pergunta sobre o que escrevo sinto-me sempre em mal-estar. Que é que tem de público e protocolar o que é da minha intimidade? Não sei porque me não perguntam por exemplo: e agora que casaco vai vestir, depois de deitar esse para o cesto da roupa suja? Ou: quando é que temos fato novo? E todavia seria muito mais plausível. Mas ninguém mo pergunta. E muito menos qual a cor das cuecas que trago. Como ninguém pergunta a ninguém «quando é que temos outro filho.» O acto de escrever é tão melindroso e recatado e estritamente pessoal como justamente fazer um filho. Nascido o filho e feito gente, ele é do domínio público e está assim sujeito a que o julguem uma criancinha adorável ou mais tarde um sacanóide. Mas o fazê-lo não é decente que seja também do domínio público. Não se pergunta quando temos um novo livro ou se se está a escrevê-lo como se não pergunta quando temos um novo livro ou quando se pensa fazê-lo. Eu por mim é o que sinto. Mas é possível que esteja a asnear – que é, aliás, a minha constante inclinação.
VF 

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